16 de julho de 2006

15 de julho de 2006

O SORRISO DO GATO DE ALICE

Morfogênese e teleologia das imagens na literatura infanto-juvenil

por Salmo Dansa, Mestre em Design
(04/10/2005)

Nos últimos anos, a literatura infantil brasileira tem cada vez mais retornado às suas raízes ligadas aos índios aborígines e a história e cultura da África”.

Introdução

A principal ferramenta do design, assim como da ilustração é o desenho. Atrelado à configuração de objetos e sistemas de informação o desenho se relaciona com o texto, seja como elemento que atua junto à tipografia ou indiretamente no planejamento dessas produções estéticas nas quais a ilustração se insere.

Mas, o prazer de desenhar não é o mesmo que o de ilustrar um texto. O desenho é expressão pura. É um sentimento traduzido em imagens que são “o resultado do esforço de se abstrair duas das quatro dimensões de espaço-tempo para que se conservem apenas as dimensões do plano”.

Desenhar, portanto, tem algo de conquista, pois há que se esquecer o tempo e pensar somente no espaço, conquistar, pelo esforço de conjugação entre o olhar e a mão, o percurso expressivo. O amadurecer do traço, tem a escala humana, posto que o traço que expressa, projeta, constrói é o mesmo que risca, nega e censura. Parafraseando o poeta João Cabral de Melo Neto: desenhar é cortar espaços.

Na ilustração, uma série de fatores deverá ser levada em consideração, pela influência do contexto desta expressão, que relaciona texto e leitor na programação visual. Para representar a influência recíproca entre autor e leitor na formação estética dessas imagens, apresentarei um paradoxo da obra de Lewis Carroll em Alice através do espelho.

No quarto capítulo, Alice está com os irmãos Tweedledee e Tweedledum, quando encontra o Rei vermelho dormindo. Tweedledee diz, então, a Alice que o Rei sonha com ela, mas que ela não tem existência real, é apenas “uma espécie de coisa” no sonho do Rei. “Se o Rei acordasse”, acrescenta Tweedledum, “você sumiria... puf!... exatamente como a chama de uma vela!”. O problema é que o final do livro nos revela que tudo se passa dentro de um sonho de Alice. Assim, será o Rei uma “coisa” no sonho de Alice, ou será ela uma “coisa” no sonho dele?

Será a ilustração uma “coisa” no desenho de criança ou será o desenho de criança uma “coisa” na ilustração?

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Capa de Salmo Dansa para o livro “João e Maria”. São Paulo: FTD, 2003.

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Desenho de Lucas, 8 anos. Colégio municipal Mário Veiga Cabral. Tijuca, Rio de Janeiro.


Narrativa Visual

Historicamente, o livro infantil é determinado por seus atributos éticos, científicos e estéticos. Em termos da forma material, ele funciona como suporte para a interação entre o texto e a ilustração. Desde o codex, o livro se configura pela fragmentação de uma narrativa distribuída e impressa sobre determinado número de trechos retangulares e uniformes de papel, fixados pelo lado esquerdo. A partir desta forma o livro pode vir a trazer variações de forma, e conteúdo dentro das possibilidades que se estabelecem, principalmente pela predominância do seu caráter estético ou pedagógico (ético-científico).

As possibilidades e diferenças no caráter estético-pedagógico não são antagônicas. Elas incidem, primeiramente, sobre a prevalência entre memória e imaginação no fluxo de informações, que se estabelece na configuração. Posteriormente, essa prevalência vai ressaltar uma tendência na relação entre forma e conteúdo, que se apresenta subjetivamente no trânsito do olhar do leitor sobre as imagens impressas.

Neste suporte, que nos permite vislumbrar a própria história, o texto é representado pelo signo gráfico de significação imediata e, como instrumento expressivo, tem origem no conto.

As questões que surgem sobre a origem da noção de infinito no espírito humano nos indaga sobre a finitude da vida diante do tempo, a percepção da imensidão do universo ou a visão inatingível do horizonte. Cogita-se que estariam todas as possíveis origens da noção de infinito ligadas ao sentimento primeiro do tempo como uma sucessão de eventos.

Assim, encontramos dois significados para atual noção de narratividade; uma matemática e outra literária. A narratividade teria uma origem matemática, por essa relação com a sucessão de fatos e a conseqüente contagem do tempo. A estrutura: “Era uma vez – felizes para sempre” é uma alusão clara ao infinito que subjuga a existência passada num tempo indeterminado. Por este ponto de vista, esse recurso limita a narrativa que tenderia a infinitude.

Uma vez que a narrativa tem servido desde as suas origens para contar “os acontecidos, as anedotas, pequenos feitos de indivíduos isolados que servem de base à resenha futura”, ela se relaciona com o passado e a memória. A narrativa visual se relaciona com as imagens descritas no texto e também alimenta a imaginação do leitor com descrições visuais de elementos da narrativa verbal, dentro de uma projeção de figuras e cenários que compõe esse diálogo, chamado pelo editor Luís Camargo em seu artigo: Ilustração e poesia: tradução, traição ou dialogo de imagens? de “coerência intersemiótica” esta “relação de coerência, ou seja, convergência ou não-contradição, entre os significados (denotativos e conotativos) da ilustração e do texto”.

Da interação, presente nesse ir e vir entre a narração e a descrição, um universo visual e imaginativo se abre ao leitor que incorpora traços dos personagens, reinventa soluções para antigos jogos e transpõe linguagens para visualizar os elementos ausentes na ilustração ou texto. Por essas características lúdicas e imaginativas a literatura infanto-juvenil é um universo tipicamente imagético, onde a ilustração é um código visual que pode desempenhar diversas funções.

O livro infantil é ambiente “mágico” no sentido estrito que Villém Flusser emprega ao termo, pela possibilidade que as imagens dão ao leitor de estabelecer relações temporais, decodificar mensagens, estabelecer narrativas e criar significações com o texto, inventando um mundo mágico de fantasia.

“O traçado do scanning segue a estrutura da imagem, mas também os impulsos no íntimo do observador. O significado decifrado por este método será, pois, resultado de síntese entre duas ‘intencionalidades’: a do emissor e a do receptor. Imagens não são conjuntos de símbolos com significados inequívocos, como são as cifras: não são denotativas. Imagens oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo: símbolos ‘conotativos’”.

A ilustração é imagem tradicional pelo processo artesanal de elaboração e é imagem técnica pelo processamento editorial e reprodução em série, tendo dupla via de significação com o texto. Elas contêm, ao mesmo tempo, o germe da tradição (memória) e da projeção (imaginação) que repercutem na interface existente entre arte e educação.

Pelas características estéticas, ela imita a vida, pois se propõe a representá-la com imagens, exprimindo-se com cores e figuras em determinado ritmo, harmonia e linguagem, usando isso em conjunto, pela passagem das partes da narrativa distribuídas e impressas sobre as páginas.

No ritmo da narrativa existem algumas variáveis programadas pelo autor e outras adotadas pelo leitor. O projeto (ou programa) relaciona as informações dentro do ambiente gráfico, a fim de facilitar o acesso às informações contidas nas ilustrações. A qualidade das imagens, por sua vez, vai determinar a qualidade da fruição, percepção e entendimento dos elementos que compõe a ilustração. O contexto da leitura é determinante do tempo de scanning e, além disso, as influências do ambiente externo e a motivação intrínseca do leitor vão compor em conjunto o ritmo da narrativa visual.

A harmonia seria a combinação de elementos diferentes e individualizados, ligados por uma relação pertinente que se encontra em cada imagem ou no conjunto de imagens que ilustram o livro. Seria o modo de combinar cores e proporções nos elementos do trabalho, visando o prazer estético ou sentimento de beleza. No sentido aristotélico, o livro, assim como todo o objeto que se propõe belo, deverá se decompor em partes.

“(...) o belo – ser vivente ou o que se componha de partes – não só deve ter essas partes ordenadas, mas também uma grandeza que não seja qualquer. Porque o belo consiste na grandeza e na ordem, (...) assim também os mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória”.

A linguagem visual da Literatura Infanto-Juvenil se apresenta dentro de limites genealógicos, morfológicos e teleológicos que se diferenciam qualitativamente dentro do perfil socioeconômico e cultural de uma região. As ilustrações são produzidas de modo predominantemente individual e artesanal, a partir de uma estrutura projetada (programa).

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Ilustração de Salmo Dansa para o livro “A história vazia da garrafa vazia”.
São Paulo: Ed. do Brasil, 2005.

Morfogênese e Teleologia da ilustração

A ilustração se origina de relações subjetivas entre os elementos projetados e suas resoluções técnicas de desenho ou produções gráficas daí advindas. Esses procedimentos e a articulação de materiais são artifícios subjugados à poética do autor, que segue determinada coerência entre a programação visual e o texto, atribuindo uma “função dominante” à imagem, dentro de uma “hierarquia de funções” que esta pode desempenhar. Deste modo, observamos o quanto a morfogênese e a teleologia são fatores interdependentes.

A ilustração infantil traz uma visualidade que tem origem no imaginário das fábulas e contos de fadas, e segue a estrutura que trata o mito como um ser vivente. Assim, para entendermos a estrutura, devemos compreender o “todo” da narrativa como princípio, meio e fim, para que, esse “todo” possa ser apreendido pela memória, como estabelece a poética aristotélica.

“O limite imposto pela própria natureza das coisas é o seguinte: desde que se possa apreender o conjunto, uma tragédia tanto mais bela será quanto mais extensa. (...) podemos dizer que o limite suficiente de uma tragédia é o que permite que as ações, uma após outra, sucedidas conformemente à verossimilhança e à necessidade, se dê o transe da infelicidade à felicidade ou da felicidade à infelicidade. “

A linguagem visual do livro infantil pode ser codificada a partir do conjunto de imagens que compõe o livro e na sua relação com o texto. Seria uma linguagem estruturalista, onde o todo é um sistema superior à soma das partes. Assim, as ilustrações, (que vez por outra aparecem como narrativa independente nos livros de imagem), se diferenciam da “linguagem da pintura”, já que estas imagens são programadas para significarem textos mentais constituídos pela tendência que o sujeito tem de compor uma história, verbalizando internamente aquilo que é entendido por meio da seqüência de imagens.

Essa função narrativa que a ilustração desempenha acontece anteriormente, nos desenhos de criança. Desde as garatujas, nos sucedâneos e jogos lúdicos, a “fala egocêntrica” já descreve as cenas e acontecimentos imaginários. Este “instrumento do pensamento” é descrito por Jean Piaget como parte da expressão polifônica que é indissociável da expressão gráfica.

Por isso, para compreender a linguagem visual da literatura infantil e a sua pluralidade de significados podemos observar o desenvolvimento do grafismo infantil a partir da genealogia do ilustrador. Mesmo sendo adulto o ilustrador vai até a gênese do seu desenvolvimento como artista para buscar a comunicabilidade com seu público.

Por outro lado, podemos entender essa origem como ontológica tomando os grafismos das cavernas, túmulos etruscos e pictografia egípcia, (por exemplo) como “berços” das narrativas visuais. Dessa forma, podemos entender os processos de produção do livro como um “acontecimento” dentro da “estrutura” histórica, que é o sistema de representação gráfica.

Esse sistema, no caso do livro infantil, tem adotado uma programação que relaciona a informação com a identidade do próprio grafismo infantil. Pela ótica de Flusser, torna-se observável a desvalorização do objeto de design e a valorização da informação imagética na sociedade pós-industrial. Assim, o livro pode ser visto como brinquedo no qual a combinação das informações programadas pelo designer-ilustrador são virtualidades que potencializam o objeto. A narrativa visual é, por esse aspecto, sistema que contém determinado número de informações programadas editorialmente como “aparelho” estético-educativo.

“Os programas dos aparelhos são compostos de símbolos permutáveis. Funcionar é permutar símbolos programados. Um exemplo anacrônico pode ilustrar tal jogo: o escritor pode ser considerado funcionário do aparelho ‘língua’ brinca com símbolos contidos no programa lingüístico, com ‘palavras’, permutando-os segundo as regras do programa. O exemplo é anacrônico porque língua não é verdadeiro aparelho. Não foi produzida deliberadamente, nem recorreu a teorias cientificas, como no caso de aparelhos verdadeiros. Mas serve de exemplo ao funcionamento de aparelhos.”

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Ilustração de Salmo Dansa para o livro “Memórias da casa dos sonhos”.

Morfologia

A identidade visual da Literatura Infantil se constitui em uma relação estética entre o ilustrador, o livro e a criança. A criança, no início, se identifica preferencialmente, com as imagens do livro e, gradativamente, esses símbolos vão sendo substituídos pelas palavras no processo de alfabetização. Mas, é curioso notarmos que é justamente este o período mais produtivo e criativo do desenvolvimento do grafismo infantil.

Essa identificação da ilustração com os grafismos infantis é uma estilização premeditada simulando a ingenuidade e a simplificação do desenho infantil em representações de crescente apuração técnica. Como o desenho de criança se configura como um processo icônico, o que se propõe é uma afinidade entre o autor e o leitor das ilustrações. Essa estilização ou “iconização” da imagem visa, sobretudo, ao entendimento e à comunicação entre as partes, e por esse aspecto, podemos dizer que quanto mais inteligível é uma imagem maior a sua comunicabilidade.

As características do desenho de criança se apresentam nas diferentes fases e em diferentes proporções, sob a influência de tendências opostas e complementares, posicionadas entre o “genérico” e o “singular”. Pelo caráter social desta expressão, a representação tende a ser mediada por intermédio de ícones que caracterizam o estágio de desenvolvimento e, sobretudo, na medida em que o ambiente social pode influenciá-la, determinando esta influência como mais generalizante ou singularizada mais individual ou comum ao grupo.

“O sistema figurativo exuberante e tônico que surgiu conquista sem cessar novos espaços, territórios, tempos, figuras, sucedâneos, textos, jogos. Cada ocasião é uma oportunidade de desenvolvimento ou de confirmação. A tendência geral e a tendência individual coabitam, rivalizam ou se distinguem.

Após uma longa pausa muito criativa, o sistema amadurece e depois se estabiliza.

Para a maioria das crianças e pré-adolescentes o sistema tem uma tendência genérica mesmo se mantendo em uma zona de grande estabilidade. Aqui começa a imagem inicial na forma adolescente ou adulta.”

O desenho para criança traz a audácia e o empirismo do grafismo da criança na memória. Mas, assim como lembrança de rever um lugar ou ouvir uma música não nos traz o mesmo sentimento da primeira vez, do mesmo modo, a ilustração também perde a sua essência infantil. Afinal, a memória de um prazer é um sentimento do aprendizado, como uma conduta de aproximação. Assim, vez por outra, somos tomados pela nostalgia das primeiras imagens, mas já não conseguimos ter de volta o frescor daquele momento.

Quando isso acontece, nos deparamos com uma dupla face da sensação estética: por um lado precisamos da memória que nos proporciona reviver um momento, por outro lado, precisamos de novas sensações estéticas que nos permita lidar com o novo. Este mesmo sentimento dicotômico entre a preservação da memória e o risco imaginativo é vivenciado no processo de formação do grafismo infantil de modo menos consciente, como assinala Bernard Darras nos seguintes termos:

“Existe uma outra atribuição, graças a qual as exceções, acidentes, detalhes, diferenças são valorizados em detrimento das semelhanças. Ao mesmo tempo em que algumas características são valorizadas pela semelhança, outras são desprezadas. Estes dois processos não têm conseqüências recíprocas, são modos de agir que se conjugam nas operações icônicas, um é subtrativo e outro é assimilativo.”

Como criador de imagens, o ilustrador lança mão de recursos comuns à criança, que vive entre 8 a 10 anos de idade o ápice do desenvolvimento do seu grafismo. Estes recursos são processos cíclicos menos perceptivos e mais intelectualizados quanto ao processo de configuração. Seja pelo simbolismo das imagens, seja pela identificação com o seu público na busca de comunicação, a constituição dessa linguagem visual passa pela sua capacidade de síntese e representação nas imagens.

O termo novato é limitado para as crianças. Uma criança de 8 a 10 anos é mestra de seu sistema de representação; experiente da imagem inicial. Como um expert ele vai mensurar suas experiências e confirmar, em cada ocasião, as leis de seu sistema no quadro de sua prática.

O estudo das características do traçado infantil, ao longo das últimas décadas, demonstra semelhanças incontestáveis entre a arte primitiva e o desenho da criança. Pela teoria intelectualista, essa bidimensionalidade, geometrização e gestualidade que caracteriza o desenho infantil são o que o aproxima dos pintores do período neolítico, índios americanos e homens das tribos africanas. A influência da cultura indígena e afro-brasileira na Literatura Infanto-Juvenil é um sinal dessa identidade.

“Nos últimos anos, a literatura infantil brasileira tem cada vez mais retornado às suas raízes ligadas aos índios aborígines e a história e cultura da África”.

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Ilustração de Salmo Dansa para o livro “Lendas Negras”. São Paulo: FTD, 2001.

Assim inicia a resenha sobre o livro Lendas Negras no catálogo de 2002 de obras premiadas pela instituição Alemã, Internationale Jugend Bibliothek Munchen. A arte naif e as estilizações que decorrem do primitivismo, também vão de encontro a essa tendência.

Notório também tem sido o incentivo institucional na formação da identidade visual da literatura infantil, pela obrigatoriedade do ensino da história da cultura afro-brasileira (lei 10.639/03), em todo o currículo escolar nacional, e ainda, pelo apoio dado pela Fundação Nacional de Livro Infanto-Juvenil (FNLIJ) à produção de livros de autores indígenas. O catálogo da instituição na feira de Bologna, na Itália, em 2004, por exemplo, trazia homenagem aos autores indígenas brasileiros com textos, fotos e resenhas especiais.

É fato que estamos vivendo um momento de valorização nacional e internacional da cultura indígena e afro-brasileira dentro da nossa literatura infanto-juvenil. Nesse processo, a ilustração tem papel decisivo pela conformidade entre o imaginário afro, indígena e infantil.

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Ilustração de Salmo Dansa para o livro “O Rei e o Tempo” São Paulo: Scipione, 2004

Teleologia

A questão funcional demarca o espaço da memória e da imaginação pela concomitância entre a função estética e pedagógica da ilustração infantil. A morfogênese do desenho para criança estabelece em que medida o processo de constituição da sua identidade visual se dá pela confluência de fatores ontológicos, históricos e lingüísticos.

No entanto, essa dualidade entre o que é singular e o que é genérico está presente em toda a produção estética, influenciando as gradações entre beleza, verdade e bondade. Esses sentidos estéticos, científicos e éticos das imagens de design são valores que variam dentro das diferenças culturais de cada região e se estendem desde à expressão pessoal e singular identificada como gosto, até a expressão coletiva e genérica presente na moda. Essa troca de influências entre o individuo e o grupo está presente no processo de avaliação estética, como descreve o professor Gustavo Amarante Bomfim, em Notas de Aula sobre Design e Estética.

“Nos processos de avaliação estética normas e tendências de gosto se misturam de tal maneira, que nenhuma avaliação subjetiva poderá estar isenta da influência de normas estéticas do passado e do presente, do mesmo modo que nas avaliações ‘objetivas’, quando as normas são constantemente subvertidas pelo gosto”.

Na ilustração infantil, o ciclo de interação autor-leitor é a mediação entre potencialidade e desafio. A ilustração, que no sentido geral serve para ornar ou elucidar o texto, poderá desempenhar diversas funções no livro infantil, em determinada gradação de cada uma dessas qualidades em relação às outras. Segundo Luís Camargo, “a imagem pode desempenhar até onze diferentes funções: representativa, descritiva, narrativa, simbólica, expressiva, estética, lúdica, conotativa, metalingüística, fática e pontuação.”

Na conjunção e gradação dessas funções, as imagens serão códigos que surgem em relação ao texto e o desafio será decifrá-los. Nesse processo, existe um embate intelectual na utilização dos recursos programados pelo autor como informação. Na medida em que os desafios propostos pelo autor são maiores do que as potencialidades do leitor, maior deverá ser o prazer estético proporcionado, para que o leitor seja motivado a continuar a decodificação. A imagem deverá conter informação, mas, sobretudo, deverá proporcionar o prazer estético.

Durante a fruição, o livro, aparelho estético-pedagógico, torna-se um meio de interação entre autor e leitor e o olhar é o canal de acesso para a fruição da obra. Nessa decodificação, o aparelho ótico é analógico ao aparelho digestivo e se presta a nutrir o sujeito para a sobrevivência no ambiente sociocultural. A leitura das imagens acontece quando o leitor vai estabelecendo relações mágicas entre os elementos das imagens que desmitificam e remagicizam o texto como estabelece Villen Flusser:

“A imaginação, à qual [as imagens] devem sua origem, é capacidade de codificar textos em imagens. Decifrá-las é reconstituir os textos que tais imagens significam. Quando as imagens técnicas são corretamente decifradas, surge o mundo conceitual como sendo o seu universo de significado.”

Conclusão

O desafio de elaborar símbolos para um mundo repleto de imagens é muitas vezes o risco entre o apelo da mídia e as limitações do tempo e da tradição. Enquanto fazemos nosso trabalho, tudo parece andar rápido ao redor, talvez pelo ritmo vagaroso, próprio dessa atividade, o que faz diferença para o artista é a possibilidade de expressão e o retorno que a comunicação permite.

A narratividade dos livros infantis e o discurso subjacente se configuram como linguagem onde as imagens podem ser vistas como código na sua relação com o texto por uma coerência intersemiótica. Essa linguagem da ilustração, na sua utopia ou interdisciplinaridade, tende a ser uma ponte entre a produção estética e a educação. A diversidade de funções e, sobretudo, a vocação narrativa e descritiva dessas imagens abrem uma gama de possibilidades tanto no campo do design, pela troca de influências com todo tipo de produção estética, quanto em áreas como a educação, pela possibilidade de transmitir mensagens.

A formação do discurso visual da criança traz junto uma verbalização que tem um caráter narrativo indissociável da expressão gráfica, já que esta se completa na sua polifonia; gestual, postural, oral, verbal e social. Essa narratividade tem influência na morfogênese da ilustração por uma memória subjetiva desse estágio do desenvolvimento do autor. Por outro lado, acreditamos que essa origem venha também de uma tradição remota do ser humano de narrar visualmente eventos históricos, visões e experiências desde o tempo das cavernas.

Na identificação entre autor e leitor, reconhecemos uma afinidade com o intelectualismo, que vê na bidimensionalidade, geometrização e gestualidade, elementos de identificação com o imaginário indígena e africano, tão valorizados atualmente.

A Teleologia da ilustração, como fator interdependente da morfogênese, vai reafirmar questões originais da tendência estético-pedagógica da narrativa visual e da comunicação entre a criança e o ilustrador. Por uma estilização e simplificação da figura na imagem, ela tende a ser comunicativa. Por isso, o programador visual durante a configuração do livro, propõe ao leitor a conjugação de um deciframento e um prazer estético que se encontram como gradações de ritmo, harmonia e linguagem dentro da narrativa.

O desenho infantil é influenciado pelo ambiente visual e auditivo que o circunda e o reflete, como um ciclo dialético de formação mútua entre sujeito e objeto. A ilustração, por sua vez, procura a linguagem tentando perceber seus potenciais estético-pedagógicos, as influências na sua morfogênese e a sua função dentro deste ciclo.

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Desenho de Alaina, 8 anos.
Colégio Municipal Bombeiro Geraldo Dias, Tijuca, Rio de Janeiro.

Referências bibliográficas

Alencar, José Salmo Dansa de. O começo é o fim pelo avesso. Dissertação de mestrado: PUC Rio, 2004

Aristóteles. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1987

Bomfim, Gustavo Amarante. Notas de Aula sobre Design e Estética. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2001.

Camargo, Luís. Ilustração e poesia: tradução, traição ou dialogo de linguagens? In: http://ww2.italnet.com.br/garatuja/artigo10/camargo.htm

Darras, Bernard. Au commecement était l’image. Du dessin de l’enfant à la communication de l’adulte. Paris: ESF éditeur, 1996

Flusser, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002

Sosa, Jesualdo. A literatura Infantil. São Paulo: Cultrix; Ed Universidade de São Paulo, 1978

do site www.educacaopublica.rj.gov.br

10 de julho de 2006

BRINQUEDOS

BONECO DO LANTERNA VERDE

Fonte: www.americanas.com


O super Herói do seriado dos Super amigos.

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BONECA ABIGAIL - DESENHO TURMA DO BAIRRO

FONTE: WWW.TVMAGAZINE.COM.BR

Boneca Abigail, personagem da turma do bairro. Desenho exibido até o 2º semestre de 2006 pelo SBT



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9 de julho de 2006

O BRASIL DA SUSI OLODUM

NÓS, NEGROS - CONSUMO
www.epoca.globo.com
por João Luiz Vieira

Uma nova boneca negra chega ao mercado com o desafio de vender bem e superar o mito da democracia racial num país habituado a discriminar pessoas pela cor da pele

Perfil

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Ela tem 28 centímetros, cabelos de náilon e corpo negro à base de injeção de tinta no plástico. Custa R$ 29 a unidade

Edna Francisco da Silva aparenta menos que os 41 anos registrados na carteira de identidade. Começou a trabalhar aos 8 como doméstica em casas de classe média em São Paulo e na adolescência foi servir à vaidade alheia, pintando unhas de mãos e pés de mulheres de origem abastada. Há seis anos conseguiu o primeiro emprego formal, com os direitos trabalhistas garantidos, na fábrica de brinquedos Estrela. Edna acorda todos os dias às 5h50. Sai de casa, um sobrado de três dormitórios em Guarulhos, sem tomar café da manhã. Mal se despede do marido, marceneiro que vive de pequenos serviços. Faz a primeira refeição do dia na própria Estrela, meia hora antes de pegar no batente. Sua função: pôr os fios de náilon, à guisa de cabelos, em corpinhos de plástico de 28 centímetros de altura, na esteira da linha de montagem da Susi Olodum, boneca negra, como Edna, que acaba de chegar às lojas.

Em nove horas de trabalho diárias, 585 Susis passam na frente de Edna. Em troca de R$ 340 mensais ela pode, enfim, mexer num objeto de desejo que foi um sonho de infância, mas nunca entrou em sua casa: uma boneca. "Pena que não dê para pensar na vida enquanto a máquina funciona", diz. Nos olhos de Susi Olodum, Edna e as companheiras de linha de montagem vêem refletidas as desigualdades de um país que se habituou a discriminar gente negra. Na fabricação da boneca, antes da colocação do primeiro fio de cabelo até o desembarque nas lojas de brinquedos e nos quartos infantis, reproduz-se o mito da democracia racial.

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Das graças
"É preciso provar em dobro que merecemos emprego"


Na Estrela 40% dos funcionários são negros e pardos - taxa muito próxima dos 45% registrados pelo IBGE no censo de 1997. Nove entre dez funcionários negros da fábrica ganham menos que os brancos. Trabalham quase sempre no chão da fábrica. Não há negros na diretoria da empresa. Esse cenário assemelha-se ao de qualquer indústria do país. "É circunstancial não termos negros em cargos mais elevados", diz Aires Fernandes, branco, diretor de marketing. Os números mostram que, no emprego, a cor discrimina mais que o sexo.

A taxa de desemprego entre negros é 45% maior que entre brancos e amarelos. Em São Paulo, os negros representam 40% dos desempregados da população economicamente ativa. "Por sermos negras, é preciso provar em dobro que merecemos o emprego ", diz Maria das Graças Paulo, de 47 anos, assistente de criação e modelagem e uma das responsáveis pelo figurino da Susi Olodum. Maria das Graças informa nunca ter sentido na pele a discriminação. "Mas sentia falta de uma Susi para negras", diz. Ela nunca brincou com bonecas de sua cor. Das Graças, filha de uma dona-de-casa e um pedreiro, teve infância difícil. Foi mais longe que os pais. Estudou até o ensino fundamental, ganha R$ 650 mensais e mora em Guarulhos numa casa de dois dormitórios, com o pai e duas irmãs.

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A idéia da Susi negra amadureceu durante cinco meses, depois que uma pesquisa da própria Estrela indicou a existência de uma fatia numerosa da população interessada em comprar produtos identificados com a cor da pele. Um estudo da agência de publicidade Grottera estima que a classe média formada por negros e pardos no Brasil some 7 milhões de pessoas, com renda familiar média de R$ 2.300. A Estrela selou parceria com o grupo Olodum, da Bahia, e a boneca começou a ser desenvolvida nas versões negra e branca. As duas, com produção de 50 mil peças por ano cada uma, são vendidas a R$ 29 a unidade. O Olodum, sob a batuta do presidente João Jorge Rodrigues, ganhará 5% sobre o resultado da venda das bonecas. O dinheiro será depositado na conta do Projeto Escola Criativa Olodum.

O projeto, que ministra cursos de percussão, dança e informática a crianças carentes de Salvador, já beneficiou 295 meninos e meninas. "Não se trata de uma atitude politicamente correta", diz Fernandes, da Estrela. "O mercado pedia uma boneca como a Susi Olodum." As raízes do preconceito são tão profundas que nem mesmo a Susi escapou à armadilha do estereótipo. As Susis brancas já existentes são professoras, veterinárias e ciclistas. A nova Susi é apenas Olodum, ainda que uma dançarina do grupo baiano ganhe mais que uma professora. Se venderá bem, não se sabe. É preciso esperar. Nos anos 90, a Estrela lançou outros bonecos negros, como Meu Bebê, Bebezinho, Tererê e Fofolete, mas eles tiveram vida curta. Representavam 20% das vendas de uma boneca branca.

O paulista Luiz Claudio Rodrigues, gerente-geral da GP Brinquedos, com cinco lojas espalhadas por São Paulo, confirma o interesse pelos modelos tingidos. "O consumidor sempre reclamou da ausência de bonecas negras", afirma. Rodrigues separou 50 peças do produto para cada uma das lojas e acredita que as venderá com facilidade. "As demais bonecas negras não saíam por falta de apoio da mídia", resume. Rodrigues é negro e ganha R$ 2 mil mensais como gerente-geral. É o único negro dentro da empresa nessa função. Trabalha com brinquedos há 15 anos. Tem duas filhas. Vanessa, de 18 anos, já teve uma boneca negra. A menor, Taís, de 7, ainda não ganhou a dela. "Comecei a trabalhar com 16 anos para ajudar minha família", diz. "Poderia ter chegado mais longe, mas não concluí um curso superior porque precisei ir à luta cedo." Rodrigues ficou fora da estatística que aponta apenas 5% de universitários negros. Mas, de forma indireta, está dentro de outra: estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a probabilidade de um branco ascender na profissão é 120% maior que a de um negro.

AS AGRURAS DA BARBIE AFRO-AMERICANA
A boneca politicamente correta não pegou nos Estados Unidos

A primeira Barbie negra foi lançada no mercado americano em 1982. A fábrica de brinquedos Mattel resolveu apostar nos 12,8% de afro-americanos contados no censo dos Estados Unidos e escureceu a pele da boneca mais popular do mundo. Estima-se que o poder de compra dessa camada da população esteja próximo dos US$ 500 bilhões. Nos Estados Unidos, país em que se tornou regra a mania do politicamente correto, nem sempre as novidades levam em conta apenas os dólares. "Queremos atingir as minorias, dos deficientes físicos às comunidades negra e latina", diz a gerente de produtos da Mattel, Maribeth Elmes. As Barbies negras, porém, encalharam.

No Brasil, o desempenho foi semelhante. É possível encontrar exemplares da Barbie negra na única loja especializada em bonecas afros de São Paulo, a Tilai. A empresária Dilma Pereira, dona do negócio, reconhece que quando uma boneca escura vende muito chega a 20 mil peças em todo o Brasil - número 65 vezes inferior ao das Barbies brancas vendidas anualmente. A Baby Brinke, que desde sua fundação já colocou várias bonecas negras no mercado brasileiro, atingiu com um de seus maiores sucessos, a Lola, lançada em 1995, apenas 5% da expectativa de vendas.

BAHIA - A África é aqui
por Luciana Pinsky

Salvador transformou-se em reduto de consumo da cultura e de produtos para os negros

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Tranças

O salão da Negra Jhô é parada obrigatória da Salvador africana
Negra Jhô ganha a vida trançando cabelos. Começou pelas irmãs. Trabalhava à noite para que no dia seguinte o cabelo estivesse mais fácil de pentear. Depois de alguns anos, integrantes de grupos afros passaram a procurá-la. Ela foi às ruas do Pelourinho e ganhou a adesão de turistas. Hoje é proprietária do Grupo Cultural Ki-Mundu. No verão, seu salão lota de forma heterogênea: com negros baianos e estrangeiros brancos.

Como Jhô, muita gente vive do mercado afro em Salvador. Na cidade em que 80% da população é negra, o maior índice do país, a afirmação da identidade está por toda parte. Mostra-se na camiseta "100% negro". Exibiu-se com orgulho nos 32 blocos afros e 14 afoxés que desfilaram no último Carnaval. Dá as caras nos terreiros de candomblé e nas lojas de estampas africanas.

Salvador tornou-se um ótimo mercado para produtos destinados a negros. A esse alvo se dirige a série de cosméticos lançada há cinco anos pelo cabeleireiro Luiz Marques. "Eles representam 99% de minha clientela", diz. O carro-chefe é o hidratante Umidfica, nome da empresa. Marques lida com um faturamento mensal de R$ 140 mil e 38 funcionários. Tem sete produtos que apresentam duas negras no rótulo. No oitavo, que acaba de lançar, as figuras negras foram substituídas pela de uma mulher branca de cabelos encaracolados. "Os produtos são para todas as mulheres que têm cabelos cacheados", alega. "Soube de uma consumidora em Brasília que arranca o rótulo para que suas amigas não o vejam."

O comportamento da Salvador africana tem paralelo nos blocos de Carnaval que pululam na cidade. A Associação Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê foi fundada em 1974 e saiu no Carnaval do ano seguinte. "Queríamos brincar o Carnaval e não tínhamos espaço", diz a diretora Arany Santana. A população negra aderiu maciçamente ao movimento, que hoje mantém um projeto escolar para crianças até a 3a série do ensino fundamental. Só negros são aceitos no bloco. As conquistas culturais são visíveis, mas ainda há muito a ser feito. Uma pesquisa coordenada pelo professor Jocélio Teles dos Santos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mostra que as mulheres negras ocupam os piores postos de trabalho, e a qualificação da mão-de-obra branca ainda é muito superior. Entre os calouros de 1997 da UFBA, 44,6% eram negros. Pouco para uma população com apenas 20% de brancos.

8 de julho de 2006

BONECAS NEGRAS EM FAVOR DA BELEZA E DA HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA

por Fernanda Lopes Correia, ACS/FCP/MinC

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Franquilina Marques Cardoso

Brasília, 11/10/06 - Foi ao ouvir um diálogo entre duas meninas, uma branca e uma negra, que duas educadoras gaúchas se motivaram a produzir um projeto que valorizasse a auto-estima da criança negra. Mais de dois anos se passaram e o Projeto Bonecas Negras Referencial de Beleza e Valorização das Origens já percorreu cidades gaúchas e também já foi apresentado em Brasília. Confeccionadas com indumentárias africanas, as bonecas e os bonecos encantam os olhos de quem os vê. Mas não são um artigo mercadológico. São instrumentos de promoção da educação inclusiva. Uma prática que semeia por onde passa o amor as origens e o respeito a presença africana na formação da sociedade brasileira. Crianças de escolas públicas e particulares, vestidas com roupas africanas, desfilam ao som de música negra. No passar, a estrela das passarelas é a boneca. Não só a boneca é o destaque, mas sim toda uma proposta pedagógica e social. No mês dedicado à criança, o Portal FCP homenageia a todos os meninos e meninas, negros ou não, com esta entrevista especial. Nossas entrevistadas estão em Porto Alegre e atenderam a repórter Fernanda Lopes com entusiasmo. O entusiasmo de ensinar, de educar e de formar que as professoras gaúchas Franquilina Marques Cardoso e Maria Marques tem ao falar de um projeto que leva vida, saber, sonho e história:


1) Como surgiu a idéia de criar um projeto utilizando bonecas para tratar a questão racial?

Franquilina Cardoso: Após longo tempo de caminhada na questão da valorização da cultura negra como educadoras, sentimos um grande comprometimento de aprofundarmos nosso trabalho, através de atividades lúdicas tendo em vista o diálogo que ouvimos de duas crianças da escola infantil onde trabalhava (Frank). Uma menina negra disse a outra menina, loira, que ela brincava com uma boneca tão loirinha quanto ela. A menina negra então pediu a boneca loira emprestada e disse a amiguinha loira que ela não tinha uma boneca parecida com ela. Ao mesmo tempo, a menina negra disse que não gostava de ser negra porque não tinha uma boneca que se identificasse com ela. Aquela cena me deixou preocupada, porque demonstrou que a menina negra tem sua auto-estima fragmentada. Muito me preocupou por ver que este tipo de situação é bastante comum. Sendo assim, eu e minha colega de projeto, professora Maria Marques, tomamos a iniciativa de começar a pensar em desenvolver alguma atividade que pudesse incrementar a auto-estima da criança negra. Que a fizesse ser incluída também na sociedade. Esta invisibilidade das bonecas negras nos brinquedos nas escolas,nas vitrines, revistas e também na TV como referencial de beleza nos levou a refletir muito. Conscientes do fascínio que os mesmos e suas propriedades criam aos saberes e ao imaginário infantil foi que elaboramos este projeto.

Maria Marques: Após muita pesquisa, associamos nossa produção a confecção de bonecas negras com elementos de uma cultura, algo que vai além de uma apresentação material e mercadológica. Nossa mensagem não é somente lúdica mas também pedagógica,cultural e antropológica, porque se identifica com a realidade educativa dentro de suas diferentes dimensões, valorizando nossas origens, porque gostar de si é essencial para o bem viver. Nossa proposta fundamenta-se em estudos eobservações utilizando com base a Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 10.639, Estatuto da Criança e do Adolescente.

2) Por onde o projeto tem sido realizado, quais são as reações de alunos e professores?

Franquilina: O projeto teve e tem uma caminhada muito significativa. Temos atingido um número elevado de instituições deste sua implantação. Hoje o projeto é divulgado e também realizado junto a Faculdade do Vale do Rio dos Sinos (Feevale), Centro de Ensino Superior de Cachoeirinha (Cesuca), instituições sociais, clubes e também junto a terreiros de religiões de matriz africana. Nosso projeto também foi apresentado em eventos estaduais e nacionais, no Rio Grande do Sul e em Brasília, voltados à Capacitação de Professores, Implantação da Lei 10.639, em escolas particulares e públicas. O Projeto Bonecas Negras também é implantado e apresentado em aproximadamente oito municípios do interior gaúcho.

Maria: Constatamos que todos aqueles que tem contato com o projeto reagem com surpresa. São momentos de euforia, de alegria, de entusiasmo, pois são colocados de frente com uma mensagem positiva, um referencial de beleza e um contato com suas origens. Salientamos não só o aspecto da satisfação em criarmos as bonecas e ver isso no registro dos adultos, que nos escrevem e pedem para contatar com o nosso projeto. Também vemos que os negros e os brancos também vêem nas bonecas a sua própria história de vida, onde nelas identificam aspectos familiares e traços biológicos de seus antepassados.

Franquilina: Para os professores o Projeto Bonecas Negras Referencial de Beleza e Valorização das Origens constitui-se numa ferramenta de trabalho. Pois possibilita o fortalecimento do auto-conceito de alunos e alunas pertencentes a grupos discriminados. Nosso trabalho promove a igualdade e encoraja a participação em todas atividades programadas, já que sua apresentação ao público se dá de forma dinâmica, onde os alunos desfilam, vestidos com roupas africanas. Eles apresentam as bonecas também vestidas com trajes típicos de nações africanas. Na maior parte das apresentações, após o desfile dos alunos, se promove um rápido debate, onde se detalha mais sobre o projeto, sobre a história dos países africanos representados e também se fala sobre o combate ao racismo e a promoção da igualdade entre negros e brancos, formadores da sociedade brasileira.

3) Houve resistência em aplicar o trabalho em alguma localidade

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Franquilina: Não. Sempre temos uma receptividade grande junto às comunidades que assistiram a apresentação do projeto. Mas vemos que no mês de novembro, mês da Consciência Negra, o número de convites e pedidos para a apresentação do projeto aumenta muito. É um mês onde não temos finais de semana e feriados. Essa aceitação se justifica pelas apresentações que realizamos, onde crianças desfilam com as bonecas, ao som de músicas africanas, com muita alegria e animação. Nos desfiles, as estrelas são as bonecas, com suas roupas típicas e o colorido das roupas africanas encanta a todos que assistem ao trabalho. Também falamos sobre o surgimento da boneca no Brasil, ocorrido por volta de 1806, e também do surgimento das primeiras bonecas loiras no Brasil, na década de 50. As bonecas negras resgatam a sensibilidade, alegria, conhecimento da diversidade étnico-racial da população brasileira.

4) Como foi trazer o projeto a Brasília por duas ocasiões: uma na Semana da Criança no Ministério da Cultura, em outubro de 2005 e outra na Semana da Consciência Negra do Ministério da Educação, em novembro do ano passado?

Franquilina: Foi uma grata satisfação em receber o reconhecimento de nosso trabalho fora do Rio Grande do Sul, como o que ocorreu em Brasília. Nos foi de grande emoção sermos convidadas a apresentar o nosso projeto no Ministério da Cultura e também no Ministério da Educação. Através do Grupo Multiétnico de Empreendedores Sociais (GMES), organização não-governamental sediada em Brasília e com filial no Rio Grande do Sul, estivemos em Brasília não apenas nos eventos dos dois ministérios. Também participamos de eventos na Mostra Raízes Africanas, realizada no Conjunto Nacional, na Semana da Consciência Negra do Colégio Marista Jão Paulo II. Os eventos reuniram mais de 500 pessoas. E em especial no Ministério da Cultura, promovemos a Exposição das Bonecas Negras por duas semanas. Alunos do Colégio Marista e também do Programa Segundo Tempo, do Ministério dos Esportes, participaram de nossas atividades. Depois de estarmos em Brasília, também apresentamos nosso trabalho em eventos no Rio Grande do Sul. Hoje, temos convites para apresentar nosso trabalho no Mato Grosso do Sul. Contamos com o apoio de instituições locais para levar nosso trabalho até Campo Grande.

Maria: No Ministério da Educação, o Projeto Bonecas Negras teve uma presença marcante. Um dos momentos que mais me deixou tocada foi a visita de um funcionário do ministério, a qual se disse emocionado porque o nosso trabalho serviria de apoio para seu projeto de conclusão do curso de História, o qual cursava. A presença do ministro da Educação, Fernando Haddad, na abertura do evento trouxe a confirmação que nosso trabalho promove a Diversidade na Educação. Para nós, este projeto realiza nosso sonho de transformar o mundo em um espaço mais igualitário, justo e humano .A presença do projeto Bonecas Negras, Referencial de Beleza e Valorização das Origens nestes eventos nos leva a fazer uma reflexão muito profunda do comprometimento que temos como educadoras e, principalmebte como mulheres negras na contribuição do desenvolvimento da auto-estima,auto-imagem e da valorização do afro-brasileiro.

5) Que mensagem vocês deixam a todos os leitores do nosso Portal? È através da educação que se combate o preconceito racial ?

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Franquilina: A educação é o caminho para a transformação da sociedade. Acredito que com o desenvolvimento de uma proposta pedagógica e lúdica que valorize e respeite a diversidade étnica-racial, cultural e social de cada individuo, cada criança vai encontrar o equilíbrio entre o real e o imaginário. Com isso, ela (a criança) vai alimentar a sua formação interior, para então se descobrir como um agente formador e reprodutor de cultura e de saber.

Maria: Em nome do Projeto Bonecas Negras, gostaria de agradecer a diversas entidades que apoiaram de alguma forma a apresentação de nosso projeto. Nosso agradecimento especial a Fundação Cultural Palmares e também aos ministérios da Educação, dos Esportes, Desenvolvimentos Social e Secretaria de Educação Continuada e Diversidade. Também agradecemos ao apoio do Grupo Multiétnico de Empreendedores Sociais e ao Colégio Marista João Paulo II. Agradeço de forma muito especial a equipe que produz o conteúdo jornalístico deste portal, o qual é editado pelo jornalista Oscar Henrique Cardoso e tem você, Fernanda, como repórter. Estamos sempre à disposição de todos para esclarecimentos e para informações sobre o nosso projeto. Obrigado pelo espaço.


SAIBA MAIS

O Projeto Bonecas Negras Referencial de Beleza e Valorização das Origens é desenvolvido pelas professoras Franquilina Marques Cardoso e Maria Marques. Você pode buscar mais informações sobre o programa, em contato com os e-mails: frank_cardoso@terra.com.br e marquesmz@yahoo.com.br. O projeto percorre não só o Rio Grande do Sul, mas também a todo o território nacional. Convites para apresentações, palestras e participação em seminários podem ser encaminhados para os dois e-mails acima.

www.palmares.gov.br