29 de maio de 2006

A PRODUÇÃO CULTURAL PARA CRIANÇAS NO ENSINO DE GRADUAÇÃO E COMUNICAÇÃO

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do site www.aurora.ufsc.br
Projeto de extensão do Núcleo Infância, Comunicação e Arte
da Universidade Federal de Santa Catarina


Resumo

Este trabalho pressupõe a complexidade da mediação lingüística e cultural envolvida na produção de materiais voltados a um público infantil ou infanto-juvenil. Examina-se o caso da disciplina Produção Cultural para Crianças, oferecida entre 1992 e 2003 aos alunos do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Conclui-se que é possível e pertinente incorporar a preocupação com a qualidade dos produtos culturais oferecidos às crianças à formação dos profissionais da área de Comunicação. De um lado, isso representa um investimento na qualificação a longo prazo da relação entre os públicos e as mídias; de outro, os desafios de escrever para crianças e jovens podem enriquecer o repertório cultural e as habilidades técnicas dos estudantes, numa perspectiva pluralista e de compromisso com o direito de todos à informação e à cultura.

1.Introdução

Certa vez, no início dos anos 90, uma jornalista que havia trabalhado muitos anos na Time Magazine contou que achava seu novo emprego, em outro veículo, muito mais difícil do que o anterior. Ela escrevia agora para uma revista de notícias voltada ao público pré-adolescente, e dizia que só então percebera como era superficial o conhecimento que tinha sobre os fatos do noticiário em geral: “Eu não posso falar em socialismo, ou em guerra do Vietnã, pressupondo que os meus leitores vão entender. Eu tenho que fazê-los entender do que é que estou falando, e ainda por cima de uma forma que os interesse - o desafio é muito maior”1.

Este trabalho discute algumas das questões envolvidas no testemunho acima, especialmente a complexidade da mediação linguística e cultural exigida dos jornalistas e de outros profissionais de comunicação que se dispõem a produzir materiais destinados a um público infantil ou infanto-juvenil. Faremos essa discussão usando como mote o estudo de um caso, o da disciplina Produção Cultural para Crianças, ministrada pela autora deste artigo desde 1992 até 2003, como optativa, a alunos do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Outros temas que fazem parte dessa discussão são: a importância das contribuições de campos disciplinares vizinhos – como a psicologia, a sociologia e a teoria literária - para a reflexão fronteiriça entre educação e comunicação; e a busca de contribuir para uma dimensão crítica no ensino de graduação na área de comunicação que esteja aliada à produção experimental, e independente das imposições do mercado ainda que bem consciente delas.

A relação das crianças com as mídias é, como sabemos, tema de discussão apaixonada há muitas décadas, no mundo todo. As linhas gerais dessa discussão atualizam, a cada novo meio que surge – o rádio, as histórias em quadrinhos, a televisão, a Internet – preocupações já presentes em Platão, que advertia contra os perigos das histórias de monstros contadas pelas velhas amas aos pequenos sob seus cuidados, ou em Rousseau, que temia que os livros, com sua doutrinação enfadonha, atrofiassem os impulsos naturais das crianças que ele tanto prezava. Hoje no Brasil já é expressiva a produção teórica no campo da relação comunicação e infância, principalmente em uma linha crítica e/ou voltada à educação para as mídias. Outro dado positivo é o crescente número de projetos comunitários e de animação cultural que estimulam a utilização das mídias pelas próprias crianças. Ainda não contamos, porém, no âmbito da reflexão acadêmica, com uma sistematização suficiente das possibilidades de orientação à produção de comunicação feita por adultos para as crianças. Essa sistematização ajudaria a promover uma partilha maior dos achados temáticos e de linguagem feitos pela grande rede de grupos e indivíduos que, ao largo da grande mídia e em todo o país, produzem vídeos, livros, revistas, jornais, sites, histórias em quadrinhos, e muitos outros projetos voltados a um público infantil. O presente artigo procura dar uma contribuição nesse sentido.

No último século, são sem-conta os escritores e pensadores que se preocuparam com o que a cultura dos adultos oferece às crianças. Talvez os mais perspicazes dentre eles tenham sido aqueles que pensaram a criança do ponto de vista das lembranças da própria infância, ou seja, a partir do olhar da criança que foram um dia. É o caso de Walter Benjamin, que, ao escrever suas memórias da infância que viveu na Berlim de 1900, evidencia o quanto de criação cultural existe no olhar da criança que com ele tateia o mundo tentando atribuir-lhe sentidos. É também o caso de ficcionistas-ensaístas como Italo Calvino, Salman Rushdie e Ana Maria Machado; de pensadores como Sartre, Jung, Paulo Freire - e de tantos, tantos outros. O que esses autores revelam em suas lembranças de infância é a força da produção cultural da criança, que age a partir do que recebe pronto do mundo adulto, e o transforma.

A noção da criança como agente da cultura e como sujeito social está na base de um movimento crítico que, a partir da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança em 1989, vem pensando também os direitos da criança nos campos da educação e da comunicação2. Esse movimento afirma que as crianças têm direito à Provisão (a oferta de informação e de produtos culturais diversificados e de qualidade); à Proteção ( contra produtos nocivos ao seu desenvolvimento); e à Participação (o direito de poderem também produzir cultura de modo pleno). O direito das crianças e jovens à participação na produção de comunicação, que foi por sinal uma das demandas expressas com mais veemência na IV Cúpula de Mídia para Crianças e Adolescentes realizada no ano passado no Rio, faz parte do horizonte da presente reflexão. Em primeiro plano, porém, estarão o direito à provisão - a que as crianças tenham acesso a materiais e programas de qualidade - e o apoio que a formação acadêmica dos profissionais de comunicação pode dar à qualificação da produção cultural para crianças no país.

2. A proposta inicial da disciplina Produção Cultural para Crianças

A disciplina Produção Cultural para Crianças surgiu no Curso de Jornalismo da UFSC em 1992, como optativa. As unidades do programa eram as seguintes:

I. Entre formar e informar: reflexões sobre a produção cultural para a criança em Rousseau, Chukovski, Benjamin, Bettelheim, Eco e Postman.

II. Narrativas para crianças: do conto oral a Andersen & Carroll, Disney & Spielberg.

III. Literatura infantil brasileira de Lobato a Lygia Bojunga: história, análise de obras e reflexões teóricas. A produção contemporânea. Teatro, poesia e canção. As turmas do Pererê e da Mônica.

IV. Televisão para crianças: enlatados e “educativos”. Xuxa e Rá-tim-bum. O apaixonado debate teórico.

V. “Não-ficção” para crianças. Adequação de linguagem. O jornalismo para crianças: exame de experiências.

Como se pode perceber, o programa era extremamente amplo, como que movido por um impulso de abarcar praticamente “tudo” o que se referisse à relação entre as crianças e os textos produzidos para elas – ficção e não-ficção, impressos e audiovisuais e as múltiplas misturas de tudo isso. Esse mesmo espírito generalista e possivelmente ambicioso demais permeava os objetivos formais da disciplina: “estimular um maior conhecimento e uma melhor compreensão dos fenômenos de comunicação entre adultos e crianças”, “estimular a experimentação de linguagem em textos dirigidos às crianças”, e “sensibilizar os futuros profissionais em comunicação para as questões ligadas à infância”.

Dentre esses objetivos, o que parece melhor sintetizar a intencionalidade da proposta desde seu início é o de “sensibilizar [os alunos] (...) para as questões ligadas à infância”. Em uma época como a nossa, em que no Brasil e em muitos outros países as crianças constituem-se em um mercado importantíssimo para a venda de bens industriais - um valioso target, para usar o jargão da publicidade – nos parecia desde 1992 que era importante promover um outro tipo de atenção dos futuros jornalistas e produtores de comunicação para as questões da infância. Embora as crianças de até 12 anos representem uma grande parcela do público de televisão no Brasil, a preocupação direta com a crítica e a produção voltada a elas não costuma fazer parte do currículo das escolas de graduação em comunicação e jornalismo. Ainda prevalece em muitos contextos a idéia de que os temas ligados à infância dizem respeito apenas aos pais e aos professores de crianças. Daí talvez o caráter tão diversificado do programa inicial da disciplina: tentava-se abordar o tema por muitos ângulos diferentes, propunha-se diferentes “entradas”, buscando-se assim dar mais chances a cada aluno de perceber a pertinência do estudo da relação comunicação/infância para sua formação profissional.

Do ponto de vista metodológico, duas diretrizes se destacavam, tendo sido mantidas até hoje. A primeira era a importância do envolvimento subjetivo de cada aluno, especialmente a partir de sua própria experiência da infância. Isto, considerando que a maior parte dos alunos tinha em torno de 20 anos de idade e freqüentemente pouco ou nenhum convívio com crianças. Assim, muitas atividades em sala de aula possuíam um caráter de “laboratório de memória”. Um exercício, por exemplo, partia da ênfase dada por Walter Benjamin ao potencial evocativo das coisas que se vê pela primeira vez.3 Sugeria-se então aos alunos que explorassem, oralmente ou em textos escritos, a lembrança da primeira vez que tinham, por exemplo, visto o mar, viajado de avião, ido ao cinema ou ao teatro. Ou, com o objetivo de valorizar a mediação adulta no processo que a criança faz de atribuir significado às coisas do mundo, propunha-se atividades a partir da primeira lembrança que os alunos guardavam de alguém lhes contando uma história, apontando uma constelação no céu, mostrando no horizonte a direção onde fica a África, explicando de onde vem a chuva ou o como se forma o arco-íris.

A outra orientação metodológica era a discussão de textos clássicos sobre a infância e para a infância. Dada a amplitude dos temas e o caráter apenas introdutório da disciplina, os conceitos teóricos provenientes de outros campos – como a psicologia, a sociologia, a pedagogia, a teoria literária - eram apresentados de forma compacta em exposições dialogadas, ancoradas em trechos dos autores que ajudassem a conhecer suas idéias mais importantes ligadas ao tema em discussão. O objetivo era estimular a curiosidade dos alunos pela cultura voltada às crianças, situando-os em um contexto teórico minimamente consistente. Dessa forma foram trabalhados temas como o conceito de infância (principalmente a partir de Ariés e Postman), o desenvolvimento cognitivo (Piaget e Vigotski), a imaginação infantil (Bachelard, Benjamin, Freud e Bettelheim) as estruturas narrativas (Aristóteles, Propp, Campbell), e os contos tradicionais e suas versões (Grimm, Von Franz, Câmara Cascudo).

Uma atenção especial foi dada à literatura infantil, por várias razões. Uma delas era a pressuposta familiaridade dos estudantes com produções nessa área, o que lhes permitiria uma reflexão mais desenvolta sobre as questões levantadas pelos estudiosos. Outra razão é a aposta em que a leitura da literatura infantil estimularia os estudantes a escrever também para crianças. O nome da disciplina, afinal, continha uma ambigüidade intencional: propúnhamos que os alunos não apenas pensassem criticamente sobre a produção para crianças, mas também que se animassem a produzir para elas. Assim, as únicas leituras integrais de livros que se propôs na disciplina foram as de dois clássicos da literatura infantil: Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e A Chave do Tamanho, de Monteiro Lobato. A discussão sobre Alice foi complementada pela leitura dos textos de Cecília Meireles (1951;1990) a respeito do clássico inglês, e nos serviu de “gancho” para a exploração do papel do humor nonsense, da brincadeira verbal e da poesia na escritura para crianças. O livro de Lobato, que surpreendeu os alunos pelo vigor na escolha e no tratamento dos temas e pela atualidade de sua linguagem4, estimulou discussões a respeito do equilíbrio entre ficção e realismo na produção para crianças, já que o motor de sua trama é justamente a indignação da ex-boneca Emília com a II Guerra Mundial, que se desenrolava na Europa.

A discussão sobre como informar as crianças sobre as questões contemporâneas foi sempre particularmente interessante nas aulas. Afinal, os alunos eram estudantes de jornalismo, e debatíamos como combinar, de um lado, o direito das crianças à informação e os critérios jornalísticos de noticiabilidade e linguagem, e de outro, as peculiaridades cognitivas e afetivas desse público em particular. Nesse sentido, foi importante o referencial do chamado jornalismo educacional norte-americano, que se refere às revistas de atualidades semanais e mensais voltadas especificamente ao trabalho em escolas. Os dilemas enfrentados pelos jornalistas nesse contexto podem ser expressos por exemplo na seguinte reflexão de Quigley:

Como podemos pensar o jornalismo para crianças num contexto onde devemos – por um lado – evitar que elas se tornem cínicas – e, por outro, auxiliá-las a desenvolver um ceticicismo saudável? A solução parece estar no meio do caminho entre nutrir a fé da criança e estimular seu ceticismo (por exemplo, com relação aos governantes).5

Ou pelo editor-geral das revistas de atualidades para crianças e jovens da maior editora do ramo nos EUA:

O que nós tentamos fazer em nossas revistas é encorajar o que eu chamaria de uma verdadeira cidadania, não aquela idéia de cidadania como um bastião de agitadores automáticos de bandeiras , mas sim no sentido de uma cidadania apaixonada, de nos sentirmos envolvidos com a comunidade local, a família, a nação, o mundo.6

Se hoje ainda são raras as reflexões sobre o jornalismo para crianças e jovens no Brasil, anos atrás o eram ainda mais, o que ressalta a importância de um artigo escrito por Ana Arruda na década de 1970, intitulado “Jornal para Crianças ou Jornalismo Infantil”. Nesse artigo, que foi muito útil para a discussão na disciplina, a jornalista justifica a decisão do Jornal do Brasil, onde trabalhava na época, de lançar um caderno infantil:

“A criança de hoje sabe de tudo pela televisão, toma conhecimento de tudo o que se passa no mundo”. Afirmações deste tipo estão em moda. E não são totalmente falsas. O fato é que a informação nunca esteve, tecnicamente, tão ao alcance de todos. A criança, através dela, entrou no mundo dos adultos. Acabou definitivamente a velha história de “isto não é conversa para criança; saia da sala, menino”. Mas nem por isso as crianças brasileiras estão discutindo o problema árabe-israelense ou o lançamento de Letras do Tesouro Nacional no exterior, ou interessadas na estréia da peça Abelardo e Heloísa. O universo da criança se ampliou, (como também o do adulto médio), mas continua a ser diverso do dos adultos. Ela entrou em nosso mundo, mas com uma visão sua, infantil, especial. (...) Quando tem seu interesse despertado para determinado assunto, a criança se dirige aos adultos – ou melhor, ao adulto de sua confiança – para se informar sobre o tema. (...) Existe, portanto, um público infantil para jornal. Interessado na informação. Mas precisando de uma informação dirigida especialmente para ele. (Arruda, op.cit., p.33)

De forma arguta e ainda atual, Arruda critica nesse artigo pioneiro alguns preconceitos infelizmente comuns em materiais para crianças até hoje, como o de que “criança não gosta de ler”, o que justificaria o uso exclusivo das histórias em quadrinhos como recurso de comunicação. Ela alinha os princípios que norteavam o Caderno I do Jornal do Brasil: a) uma linguagem que respeitasse o leitor (“Natural. De conversa. Sem ‘inhos’ e ‘itos’. De gente para gente”); b) o reconhecimento de “um mundo infantil” na escolha dos temas. (“Falar de primavera e de como vivem as baleias é entrar nesse mundo.(...) E sabendo que a fantasia informa tudo nesse mundo da criança, procuramos transformar, sempre que possível, cada acontecimento num pequeno conto.”(idem)); c) o apelo da cor e da beleza, na forma gráfica.

Outra referência inestimável, esta mais recente, é o estudo também pioneiro coordenado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI - sobre os cadernos infantis de 36 jornais brasileiros (Canela, 2002). O trabalho critica a indefinição do público-alvo, a visão simplista da realidade social, o consumismo e a desconsideração pelo papel educacional dos jornais, característicos da maioria dos suplementos. A partir dessa análise, faz propostas bem claras, inclusive do ponto de vista da linguagem, como esta:

A linguagem deve manter grande nível de interatividade. Deve dialogar com o leitor. Exemplo positivo encontrado em um suplemento: “mas o que pode ser feito de concreto para acabar com a guerra no mundo?” O mesmo suplemento sustenta: “daqui a uns vinte, trinta anos, vocês crianças e adolescentes serão os donos desse mundo”. (idem, p.41)

Para apoiar a pesquisa de linguagem necessária aos exercícios de redação dos alunos, além da leitura analítica de muitos textos informativos e ficcionais, em prosa e poesia, também foram estudados referenciais de certo modo mais pragmáticos, ainda que não prescritivos, de orientação sobre como escrever para crianças, como os artigos reunidos por Carr (1982) e Fitz-Randolph (1982). Além disso, trabalhamos com reflexões do próprio Monteiro Lobato – a maior influência assumida por várias gerações de autores para crianças no Brasil - e de alguns de seus comentadores, sobre os recursos de linguagem do escritor, como mostram os exemplos abaixo:

Não imaginas a minha luta para extirpar a “literatura” de meus livros infantis. A cada revisão nova, mato, como que mata pulgas, todas as “literaturas” que ainda as estragam. O último submetido a tratamento foram As Fábulas. Como achei pedante e requintado. De lá raspei quase um quilo de “literatura” e mesmo assim ficou alguma. (Monteiro Lobato, em carta a Godofredo Rangel, 1943). (Abramovich, 1982)

Lobato escreve simples, correto, não tem medo das construções difíceis e muito menos das palavras difíceis...e isto, para mim, é sinal de respeito à criança. (Ruth Rocha, idem)

Para o estímulo à produção de roteiros de vídeo para crianças, fizemos análises de alguns roteiros de programas da TV Cultura-SP (Rá-tim-bum e O Mundo da Lua), associadas às orientações dos manuais para produtores e roteiristas da BBC inglesa. Por uma questão de viabilidade técnica e de tempo, e para não ampliar ainda mais o conteúdo programático da disciplina a ponto de inviabilizar seu cumprimento, não priorizamos a realização de análises de vídeos e filmes, nem propusemos a efetiva realização de materiais para televisão, além dos exercícios de produção de argumento e roteiro.

A cada uma das etapas descritas acima, os alunos faziam exercícios de produção textual. Na medida do possível, procurávamos associar os temas dos exercícios a assuntos da atualidade. Isso foi o que ocorreu, por exemplo, no dia seguinte à votação do impeachment do então presidente Collor, em 1992, justamente quando estudávamos as possibilidades dos textos jornalísticos para crianças: nesse dia, os alunos tiveram que escrever um texto que explicasse a uma criança o que significava afinal o impeachment. Abaixo, um exemplo:

“Bruno, vou te falar o que é impeachment, tá? A gente fala ‘impítimen’, que quer dizer impedimento. Aí a gente lembra logo de futebol, né? Então pode lembrar...O jogador espertinho que só fica na banheira, leva um apitão do juiz, que diz que o gol dele não vale, né? Pois então...”7

Abaixo, trecho de uma reportagem sobre a reação de crianças escolares ao impeachment, escrita por outro aluno:

Assim como os secundaristas, que voltaram às ruas para pedir a saída do presidente, as crianças [da escola] também demonstraram um curioso interesse. Queriam saber coisas básicas como o significado da palavra impeachment, se o presidente é ou não criminoso. Se é, por que não foi logo substituído. Questões difíceis de serem tratadas em linguagem acessível. A falta de produtos culturais específicos também foi sentida.8

3. A disciplina Produção Cultural para Crianças em 2003

A disciplina voltou a ser oferecida em 1993, 1998, 2001 e 2003. Sempre houve grande procura por parte dos alunos do Curso de Jornalismo, tanto que às vezes não era possível atender a todos os interessados; havia apenas 20 vagas, dado o caráter de laboratório da proposta, que demandava bastante envolvimento da professora com o trabalho de cada aluno. Para dar uma idéia do processo de crítica e amadurecimento da proposta, vamos apresentar aqui a configuração da disciplina em sua mais recente edição (no segundo semestre de 2003). Procuraremos dar ênfase às modificações que a proposta sofreu ao longo do tempo, ressaltando que as idéias de fundo e as diretrizes metodológicas permaneceram em boa parte as mesmas. Vamos começar pela ementa, que busca agora explicitar com mais clareza a proposta geral da disciplina:

Ementa:

Estudo dos fundamentos da produção cultural para crianças, voltado à criação de projetos de comunicação na área. Infância, Comunicação e Cultura. Imaginação e Interação. Contribuições de teorias da educação, literatura, psicologia, sociologia e arte. Especificidades da linguagem destinada às crianças. Narrativas para crianças: da oralidade à internet.

Embora do programa da disciplina em 1992 não constasse formalmente uma ementa que pudesse ser comparada a esta, é fácil perceber que a referência à internet, hoje óbvia, representa um acréscimo em relação ao projeto inicial. Outro acréscimo também resultante das mudanças tecnológicas e culturais que transfiguraram o cenário das comunicações na última década é a introdução de interação entre os conceitos a serem estudados. Ressalte-se que esse conceito aparece associado ao de imaginação, deixando claro que se está procurando inserir o conceito num plano de maior complexidade filosófica, para além das visões tecnicistas ou mercadológicas tão comumente associadas a ele.
Os objetivos atuais da disciplina explicitam idéias que já estavam nas entrelinhas da primeira versão do programa:

Objetivos:

1. Desenvolver a capacidade crítica e criadora dos futuros profissionais da comunicação, sensibilizando-os para as questões ligadas à infância e para o fato de que as crianças formam uma grande parcela do público em geral.

2. Desenvolver nos alunos a compreensão teórica, as habilidades técnicas e os critérios de qualidade envolvidos na crianção de projetos de comunicação destinados aos públicos infantis.
As unidades programáticas ainda percorrem um amplo leque de questões, mas procurou-se aos poucos dar maior organicidade ao conjunto, além de incorporar novas ênfases decorrentes do desenvolvimento das pesquisas sobre a relação mídia-infância, que serão comentadas adiante:

Unidades:

I. O conceito de infância: aspectos sócio-culturais da construção histórica da infância. A infância na “Idade Mídia”.

II. Cognição e Imaginação. Linguagem e Interação Social.

III. Práticas culturais e consumo de mídias: a importância do contexto na definição do público. Cotidiano, linguagem e imaginário.

IV. A linguagem de não-ficção: textos informativos e especificamente jornalísticos para crianças. Formar e informar.

V. A linguagem de ficção para crianças. Experiências textuais.

VI. A linguagem audiovisual para crianças. Interrelação palavra-imagem e aspectos de roteiro.

A discussão sobre a infância, na Unidade I, tem encontrado um apoio central no trabalho de Buckingham, particularmente em seu livro After the death of childhood (2000), onde o autor faz uma leitura crítica da literatura acadêmica recente na Europa e nos Estados Unidos sobre as mudanças nas mídias e na infância. Fugindo ao tom apocalíptico de obras como a de Neil Postman(1999) – que acusa as mídias de estarem causando o “desaparecimento da infância”- e também ao ufanismo de autores como Douglas Rushkoff (1999), que celebram na infância de hoje – nos países ricos e digitalmente incluídos, é claro - o que consideram o advento de “uma nova espécie”, Buckingham procura fornecer bases críticas e consistentes para “a compreensão mais realista da experiência das crianças de hoje que crescem na era das mídias eletrônicas.” (idem, p.17)

Na Unidade II, a discussão sobre cognição e imaginação tem como referência central a premissa vigotskiana de que a imaginação não se opõe ao conhecimento da realidade, ao contrário: “a imaginação é um momento totalmente necessário, inseparável, do pensamento realista”(Vigostki, [1932] 1998, p.128). As idéias do psicólogo russo contribuem também para uma concepção emancipatória do papel do afastamento da realidade que se dá na brincadeira imaginativa, inclusive aquela estimulada pela ficção literária ou midiática. Para ele, “as possibilidades de agir com liberdade que surgem na consciência do homem estão intimamente ligadas à imaginação”(idem, p.130).9 As relações entre linguagem e interação social são fundamentadas também pela perspectiva dialógica de Bakhtin, útil para a compreensão da intertextualidade midiática através da qual hoje se dá boa parte da experiência cultural das crianças.

A referência às práticas culturais e ao consumo de mídias, na Unidade III, é uma novidade em relação ao programa inicial da disciplina. Essa ênfase procura dar conta da valorização da cultura e do cotidiano ocorrida nos estudos de comunicação brasileiros nos últimos 15 anos, em parte influenciada por obras como as de Michel de Certeau, Martín-Barbero, Néstor Canclini e Stuart Hall. Lidamos aí com a idéia de que é impossível falar da “criança” em geral, sem levar em conta a diversidade dos contextos sócio-culturais em que as crianças vivem e que são também produzidos – diferenciadamente - por elas. Está presente aí uma crítica à visão essencialista da infância, ou seja, à idéia de que exista uma essência fundamental do ser “criança” independente das relações sociais e culturais ao redor. Essa crítica nutre-se também das idéias desenvolvidas nos estudos de recepção de mídia, como a compreensão de que as atividades de assistir televisão, ouvir rádio ou ler uma revista, por exemplo, consistem em uma produção de significados, que traz as marcas das mediações culturais que a permeiam.

Os temas tratados nas Unidades IV, V e VI não apresentam diferenças importantes com relação à proposta inicial, por isso vamos nos ater aqui a dois processos fundamentais que ocorreram na disciplina ao longo dos anos. Um deles liga-se à criação do website Ateliê da Aurora (www.aurora.ufsc.com.br), onde desde 1999 são divulgados artigos, pesquisas e textos ligados à relação entre crianças e mídias. O site, dedicado aos temas “criança+mídia+imaginação” foi criado pela jornalista Laura Tuyama10 ,em um processo de equipe do qual a disciplina faz parte. Daí em diante, o site se constituiu em uma instância paralela à disciplina, já que contém boa parte da bibliografia indicada, e disponibiliza materiais que os alunos produzem como atividades em aula.

Outro processo que foi ganhando importância ao longo dos semestres é a realização de pesquisas de recepção com crianças, como parte das atividades dos alunos da disciplina. No ano de 2000, cada aluno entrevistou duas crianças de escolas públicas e duas de escolas particulares sobre práticas culturais e consumo de mídias. Uma das questões procurava investigar aspectos do imaginário das crianças: “se você tivesse uma lâmpada maravilhosa, quais seriam os três pedidos que lhe faria?”11 Em 2001, a disciplina se associou à I Mostra Internacional de Cinema Infantil de Florianópolis, e cada aluno entrevistou quatro crianças que tinham acabado de assistir ao filme Castelo Rá-tim-bum, numa sessão exclusiva para alunos de escolas públicas. (Verificou-se que 70% das crianças presentes, todas com mais de oito anos de idade, tinham ido ao cinema pela primeira vez naquele dia.) Em 2003, aproveitamos um encontro estadual de crianças do Movimento Sem-Terra, os Sem-terrinha, para envolver os alunos da disciplina em breve pesquisa sobre o cotidiano das crianças. Baseamo-nos em uma das perguntas que havíamos feito em pesquisas anteriores com crianças de diferentes contextos sócio-culturais12: cada universitário perguntou a uma criança de cada vez: “o que você faz num dia normal, desde a hora em que acorda até quando vai dormir?” As respostas, tão diferentes das que crianças urbanas haviam dado à mesma pergunta, reforçaram a importância de a produção para crianças levar em conta a pluralidade cultural dos públicos.13

Essa ênfase na pesquisa tem várias razões. Uma delas é a importância de que o ensino seja sempre que possível associado à pesquisa, especialmente quando se trata de temas ainda insuficientemente investigados localmente, como é o caso da relação entre as crianças e as mídias no estado de Santa Catarina. Outra razão é o quanto esse contato direto dos alunos do Curso de Jornalismo com crianças de carne-e-osso os ajudou a dar consistência ao leitor implícito a quem iriam dirigir seus trabalhos. Ajudou-os, em suma, a sensibilizar-se para a existência das crianças como público e como sujeitos sociais, o que era um objetivo central da disciplina. Por fim, do somatório das pesquisas, quase sempre publicadas e com metodologias compatíveis entre si, tem sido possível traçar um panorama mais concreto de algumas relações importantes entre as mídias, as culturas e as crianças da região.

4. A produção dos alunos

Sempre foi intenso o envolvimento dos alunos com a produção para a disciplina, e temos bem claro que qualquer situação didática, mesmo uma “aula expositiva”, é sempre uma co-produção entre professor e estudantes. A disciplina em questão não teria amadurecido ao longo dos anos, não fosse o compromisso crítico e inteligente dos grupos de alunos que a cursaram.14

Além desse tipo de produção mais sutil, houve sempre, também, uma intensa produção textual experimental e criativa, já que a cada unidade de conteúdo corresponde um exercício de escrita. O trabalho final da disciplina é um projeto de comunicação para crianças, apresentado no último dia de aula a uma platéia de alunos de escolas públicas dos arredores. Esses trabalhos finais podem ser realizados em qualquer linguagem, desde que se liguem a um dos campos de pesquisa e produção discutidos ao longo do semestre, sendo mais frequentes os textos livres (de ficção e não-ficção), as reportagens, e os roteiros de vídeo (ficção e documentário). Muitas vezes esses textos são incorporados a um projeto mais complexo em outro suporte, como projetos de website, programas de rádio e vídeo. Já houve casos de trabalhos apresentados em formatos diferenciados, como uma sessão de slides, comentada oralmente pelo autor diante das crianças; performances teatrais a partir de textos dramáticos escritos pelos alunos; e apresentações musicais com letra e melodia compostas pelos alunos.

Para dar uma idéia melhor da produção das turmas, vamos citar apenas alguns poucos exemplos dos trabalhos finais realizados: A tua Floripa (reportagem para rádio onde crianças entrevistadas falam sobre a cidade); Cluberê (projeto de site informativo); Os carneirinhos Tip-tap-tah (dramatização de conto infantil em áudio); A turma do ferro-velho; livro-jogo onde você é o herói (livro de ficção em hipertexto “enrola-desenrola”); Tá Ligado?(jornal mural infantil para exposição em salas de espera de postos-de-saúde); Viagens de Ninar (projeto de animação gráfica musical); A próxima porta...não, a porta ao lado (radioteatro sobre a dificuldade de levantar da cama para ir à escola); O dia com poesia (livro-calendário de introdução à poesia brasileira para crianças); A história do dinheiro (audiovisual); Para que servem as barrinhas pretas? (reportagem sobre o código de barras utilizado no comércio); O travesseiro falante (radioteatro); Os direitos da criança ( livro sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente); Mirrina, a bruxa solitária (roteiro de programa de televisão sobre a solidão, a busca e a compreensão).15 Alguns exercícios de aula resultaram em Trabalhos de Conclusão de Curso, como Fazendo Arte (sítio digital sobre arte catarinense para crianças).16

5. Conclusões

A análise do percurso da disciplina Produção Cultural para Crianças mostra algumas possibilidades de se incorporar a preocupação com a qualidade da relação entre as crianças e as mídias ao ensino de graduação em Comunicação e Jornalismo. A infância passa muito rápido: as crianças para quem os primeiros alunos da disciplina escreveram, em 1992, são hoje cidadãos adultos. Se queremos qualificar a relação da sociedade inteira com os meios de comunicação, não deveríamos, enquanto formadores dos profissionais do ramo, desconsiderar essa larga faixa do público, que está justamente nos anos mais decisivos para o desenvolvimento de seus processos cognitivos e para a formação de seus hábitos culturais. Os desafios de produzir para crianças e jovens, além disso, podem complementar e enriquecer as habilidades técnicas e o repertório cultural dos estudantes, numa perspectiva pluralista e de compromisso com o direito de todos à informação e à cultura.

Notas

1- Depoimento à autora, 1990

2- Desse impúlso fazem parte das Cartas e recomendações da Unesco sobre a Criança e as Mídias (ver Feilitzen e Carlsson, 2002) e as Conferências de Cúpula sobre Mídia para Crianças e Adolescentes.

3- Isso fica claro nas recordações de sua infância em Berlim (op.cit.), bem como em vários ensaios escritos na juventude do autor (Benjamin, 1996).

4- Para minha lástima, nenhum dos alunos da disciplina ao longo destes anos havia lido A Chave do Tamanho, e a grande maioria deles só conhecia a obra de Lobato a partir de sua versão televisiva.

5- Mary Quigley, professora de Jornalismos da New York e autora de '"Kids watch TV News - and it scares them" (Washington Journalism Review, setembro de 1989). Em depoimento à autora, 1990.

6- David Goddy, editor da Divisão de Revistas da Editora Scholastic. Em depoimento à autora, 1990. Todos os depoimentos sobre o jornalismo educacional norte-americano aqui citados constam de Girardello (1990).

7- Frank Maia, 1992.

8- Marques Casara, 1992.

9- Para uma discussão esp ecífica sobre o papel das mídias na imaginação infantil, também integrante do referencial teórico da disciplina, ver Girardello (1998;2001).

10- A jornalista o analisou o processo de criação do site no trabalho de mestrado Ateliê da Aurora: criança, mídia e imaginação - uma proposta de metodologia para construção de uma publicação na internet. PPGEP-UFSC, 2000.

11- Para mais detalhes sobre esta pesquisa, ver Girardello, G: "O que eles pediriam à lâmpada maravilhosa?". Jornal Zero Hora, Caderno "Cultura", 18/11/2000, Porto Alegre.

12- Girardello e Orofino (2001)

13- Mais detalhes sobre esta pesquisa podem ser encontrados em "O dia-a-dia dos sem-terrinha: será mesmo que "criança é tudo igual"?, em www.aurora.ufsc.br

14- E a quem agradecemos

15- De autoria respectivamente de Robson Martins; Diogo Fontoura; Juliana Sá; Amanda Rahra; Camila Rutka e Roberta Faria; Fabiano Ávila; Ana Lacerda, Ana Paula Cardoso e Taís Shigeoka; Leo Laps; Flávia Menani. Jéssica Souza e Maria Romani; Lúcia Passafaro; Luciany Schlikman; Juliana Sá; Marcela Campos; Beatriz Moratelli, Débora Fagundes e Júlia Becker; Yula Jorge, Nádia Hamid e Estéfano.

16- De autoria de Mariana Cordeiro.

Referências bibliográficas

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Gilka Girardello
É doutora em Comunicação e professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, na linha de pesquisa Educação e Comunicação.
Este artigo foi publicado no site RioMidia em julho deste ano.
MultiRio – Empresa Municipal de Multimeios do Rio de Janeiro
ONG Midiativa – Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes

27 de maio de 2006

Televisão e Identidade Cultural: A "Renascença Africana"

Firdoze Bulbulia

"As crianças devem ouvir, ver e expressar sua cultura, sua linguagem e as experiências que vivem, através daqueles meios eletrônicos que afirmam seu senso de "eu", de comunidade e de lugar."
Carta Africana sobre Crianças e Televisão - Gana, 1997.

Introdução
Em um continente que pode se orgulhar de ser o berço da civilização - onde foram descobertos os mais antigos fósseis humanos, e onde estão algumas das maravilhas do mundo, como a Pirâmide e as Esfinges , onde surgiu a escrita, com os hieróglifos, e onde se travaram as mais longas batalhas contra o colonialismo - celebram-se hoje as mais diversas culturas, falam-se muitas línguas diferentes e encontram-se povos muito diversos.

É um continente onde as raízes da civilização são profundas, e onde a cultura se entrelaça com os rituais e práticas de todos os dias. Onde montanhas, cachoeiras, desertos e oásis se se estendem pelo território. Nesse continente rico e cheio de maravilhas, a cultura do povo se move em terreno sagrado. É nas danças e canções, na práticas rituais e no culto aos ancestrais, na religião islâmica e na devoção cristã, que as culturas desses povos têm sido celebradas.

Mas quanto disso tudo isso aparece em nossas telas? Conseguimos ver nelas nossa rica herança? Escutamos nossas linguagens, cantamos nossas canções e celebramos nossas culturas?

Não - em vez disso, a mídia ocidental nos vê e nos retrata como uma grande massa - sem fronteiras, sem linguagens diferentes, sem culturas, povos ou religiões diversas. Somos às vezes vistos como "um lugar exótico", ou "o continente negro", e muitos ocidentais ainda querem saber onde é que leões e elefantes perambulam pelas ruas, e em que "cabanas" dormimos, que tipo de roupas vestimos.
A televisão ocidental produz programas que refletem uma certa realidade, uma realidade que não é sinônimo da África. Os ocidentais esquecem o ouro e o marfim que roubaram, os artefatos - esculturas em pedra, máscaras de bronze, pinturas rupestres e a história - perdidos para as potências poderes coloniais através de interpretações e representações enganosas.

Aproxima-se o novo milênio e a opressão colonial continua - agora de forma mais sofisticada. Ela se dá agora através dos meios eletrônicos, com novos aliados. Aliados que constróem representações deformadas de nosso povo e de nosso continente, para então exibi-las a um público ignorante, faminto de sensacionalismo. Imagens de morte, de guerra, destruição, medo, estupro, motins. Imagens que materializam um continente "exótico", perdido...

A frase citada no início, extraída da Carta Africana sobre Crianças e Televisão, é, então, pertinente. Mas quantos produtores de programas para crianças se deram conta de que a África adotou tal Carta? É uma Carta que deveria garantir os direitos das crianças e sustentar sua identidade cultural.Como é que as crianças podem expressar sua cultura através dos meios eletrônicos quando na maioria dos casos elas nem mesmo têm a oportunidade de expressar suas culturas dentro do próprio ambiente em que vivem?

As crianças da África do Sul, por exemplo, são classificadas em quatro grupos raciais diferentes: Indianas, Africanas, Brancas e "Coloured" (uma mistura das raças branca e negra). O fato de que na comunidade indiana encontramos pelo menos três diferentes identidades "culturais e religiosas" parece não fazer a mínima diferença. O fato de que as culturas muçulmana e hindu são tão diferentes a ponto de existirem a Índia e o Paquistão, também não conseguiu fazer o velho regime sul-africano perceber essas diferenças tão fundamentais.

Assim, as crianças indianas, como eu, foram a escolas indianas, viveram em bairros indianos e brincavam com crianças indianas. O mesmo se aplicava a todos os outros grupos "raciais". Mas o fato de que eu era muçulmana, e portanto tinha uma cultura diferente de meus amigos hindus ou tamil, significava que nós "tolerávamos" uns aos outros, mas em geral expressávamos nossa cultura dentro de nosso próprio ambiente.
Eu ia à escola maderssa - islâmica - depois do horário regular de aulas, e meus amigos hindus ou tamil iam à escola gugerati depois das aulas. Durante o horário da "escola normal", no entanto, usávamos o inglês como língua franca, e não havia espaço para expressão cultural.

As crianças africanas têm uma situação ainda mais complexa, porque também foram obrigadas a adotar o inglês e depois o afrikaans como meio de instrução nas escolas, e prevalecia a ausência de arte e cultura no currículo escolar.

Em 1976 teve lugar a famosa Revolta de Soweto, e isto porque as crianças africanas começaram a se rebelar contra a insistência no uso do idioma afrikaans como meio de instrução nas escolas. Os povos africanos na África do Sul dividem-se em cerca de 20 tribos culturais tradicionais. Assim, enquanto eu tinha que lidar com duas outras culturas indianas, as crianças africanas tinham que lidar com pelo menos 20 outras identidades africanas, nenhuma das quais recebia qualquer atenção no antigo regime.
As culturas africanas, assim como as indianas, eram totalmente suprimidas.

O panorama sul-africano: A Corporação Sul-Africana de TelevisãoA Corporação Sul-Africana de Televisão (South African Broadcasting Corporation - SABC) só começou a transmitir em 1975, porque o regime não queria que os sul-africanos fossem expostos ao mundo. Assim, ao mesmo tempo que suprimia nossas próprias culturas, o regime conseguia evitar nossa exposição às culturas globais.

A SABC começou a transmitir em duas línguas oficiais: o inglês e o africaans. O tempo era dividido igualmente, com uma metade do horário nobre em inglês e a outra metade em afrikaans. O mesmo acontecia durante a semana. Assim, se uma segunda-feira começava com programas em inglês, a terça começaria com programas em afrikaans. As notícias principais, apresentadas às 20 horas, também se alternavam entre as duas linguagens.

Muito mais tarde, porém, surgiu um canal especial, em linguagem "africana", gerando tremendos problemas, sendo a linguagem o menor deles!

Nos anos mais recentes, a SABC tem se transformado, mas essa transformação, como qualquer nascimento, é difícil e trabalhosa. As imagens vistas na TV ainda não refletem o país.

Lembrem que a África do Sul foi um país que preferiu a dominação e a cultura brancas, e é lenta a sua transformação em uma sociedade mais igualitária.
As imagens da África do Sul rural ainda ficam escondidas, e as crianças dessas comunidades ainda não têm acesso à televisão.

E mesmo que essas crianças tivessem acesso ao meio, se desapontariam ao ver que sua própria imagem e identidade não aparecem nele. A CBF desafiou a SABC quanto a questões de identidade, cultura e linguagem, e agora, lentamente, começam a aparecer alguns resultados.

Às vezes emerge na tela a imagem calma de um vilarejo rural, às vezes ouve-se os estalidos de uma linguagem nativa (como a linguagem san, falada por um povo quase extinto), e quando isso acontece nos regozijamos...

O panorama africano

A linguagem e a cultura são intrínsecas. É um fato bem conhecido que a África francófona suprimiu a cultura e as línguas africanas; desde que você pudesse ser um "bom francês", ou seja, que se vestisse e falasse como os senhores franceses, não importava de que cor você fosse. Assim, os africanos que foram capazes de assimilar a cultura tornaram-se franceses honorários.
Já a África anglófona não esperava que os africanos se tornassem ingleses honorários.

Esperava apenas que se mantivessem à distância, e que praticassem seus "exotismos pagãos" bem longe!
Assim, os africanos tinham medo de expor sua cultura - mantinham-na escondida, fingindo que ela não existia. Eles aprenderam a ética e a linguagem de seus senhores coloniais, mas, secreta e silenciosamente continuaram a aprender e a compartilhar sua cultura.

Desse modo, os africanos acabaram perdendo muitas de suas práticas culturais, até que muitos africanistas passassem a instilar uma teoria voltada à "consciência negra", numa tentativa de tornar os africanos orgulhosos de quem eles eram. O Pan-africanismo, como teoria, tornou-se um ideal em direção ao qual se movem os africanos.

Mais tarde, algumas noções mais liberais e pragmáticas sobre a cultura africana começaram a ser adotadas; na África do Sul, por exemplo, a visão não-racialista tornou-se norma.

A maior parte dos africanos começou a adotar os pressupostos da "Carta da Liberdade", que enfatizavam que "a África do Sul pertence a todos os que nela vivem - sejam brancos ou negros."

Diante dessa visão mais pragmática da cultura, seria de se esperar que todas as culturas passassem a ter oportunidades iguais de exposição. No entanto, na África do Sul as culturas dominantes eram brancas, tanto inglesas quanto afrikaans. A história relata a luta dos africâners por sua sobrevivência cultural, mas conta também a triste verdade da dominação cultural africâner na África do Sul. ^


Daqui para a Frente...

Os programas de televisão feitos para a África e sobre a África deveriam considerar a herança cultural dos povos africanos, Um desses valores é "ubuntu" um conceito bem africano, mas que pode ser traduzido para outras culturas, significando basicamente "eu vivo através de você".

As culturas ocidentais e européias não abraçam esse pressuposto básico de "tomar conta de nosso irmão" - o cuidado altruísta de outra pessoa, sem qualquer expectativa de retribuição. Os programas de televisão deveriam valorizar a cultura dos povos africanos, sem desmerecer seus valores culturais por não compreendê-los ou ignorá-los.

A supressão da cultura africana, assim como a distorção dela decorrente deve ser questionada com veemência. É necessário nutrir as culturas africanas e as de outras minorias. O espírito de uma Renascença Africana, tão bem descrito pelo presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, deve ser reconhecido como um instrumento progressista capaz de levar a cultura africana para o novo milênio, de modo a que ela não seja "saneada", mas, ao contrário, respeitada e compreendida.

"O começo de nosso renascimento enquanto continente precisa ser a redescoberta de nossa própria alma, captada e tornada sempre disponível nas grandes obras de criatividade representadas pelas pirâmides e esfinges do Egito, as construções de pedra de Axum, as ruínas de Cartago e Zimbabwe, as pinturas rupestres dos San, os bronzes do Benim, as máscaras africanas, os alto-relevos dos Makonde e as esculturas em pedra dos Shona." ^

Conclusão

Produtores e diretores de televisão - todos têm a responsabilidade de assegurar cobertura igualitária e exibição de todas as culturas de seu ambiente. Cabe a nós, ativistas e defensores dos direitos das crianças, produtores e diretores de televisão, e também ao público, assegurar que a identidade cultural de todos os grupos receba igual destaque e que cada um de nós compartilhe e aprenda os valores positivos de todas essas diferentes culturas.

A BBC, por exemplo, mostra programas britânicos que representam seu contexto. Sua linguagem, imagem e identidade cultural são britânicas. Os americanos fazem a mesma coisa em seus programas. A Austrália também tem conseguido encontrar sua própria identidade.

Mas nós, no continente africano, ainda lutamos para dar destaque a nossa identidade, e em muitos casos ainda somos afetados por uma identidade colonial ou ocidental.
Enquanto produtores africanos, precisamos reafirmar nossa identidade cultural: temos uma cultura de ubuntu que perpassa todos os aspectos da vida e que oferece às crianças um bom sistema de valores.

Estamos, hoje na África do Sul, entendendo a "cultura do aprendizado" como uma forma de lidar com os desequilíbrios, especialmente no caso dos jovens que colocam "a libertação acima da educação".

A identidade cultural é a base daquilo que somos como povo, do lugar em que nos inserimos e daquilo que defendemos. Ela inclui nossas linguagens, nossos movimentos, nossas tradições, nossas canções, nosso ser. Ela conta aos outros sobre nós, nos reafirma e nutre. Assim, é importante que programas africanos mostrem histórias africanas, com personagens-modelos africanos.

Basta olharmos para os Estados Unidos, para Hollywood, para vermos exemplos primorosos de nossa música e arte. Os artistas afro-americanos tem suas raízes na África, e temos que começar a expor essa identidade cultural também para os africanos.

O ocidente sempre teve sucesso em adotar o que fosse bom, fazendo-o seu e esquecendo sua origem. Precisamos fazer com que os africanos lembrem de seus pontos fortes, de suas habilidades, de sua rica herança e de suas culturas. Precisamos enxergar a África como o continente dinâmico e diverso que ela é, e não como a versão da CNN e da BBC a que somos continuamente expostos.

Nossas crianças precisam ter orgulho de quem elas são, elas têm que se identificar com suas próprias culturas, linguagens e tradições - e isso se aplica a todas as crianças das diferentes culturas. É nossa responsabilidade garantir que a televisão se torne a útil ferramenta que ela pode ser - e não o instrumento de destruição em que está se transformando.

Para concluir, vou citar novamente o presidente Thabo Mbeki, a partir do discurso feito por ele na ocasião em que foi promulgada a Constituição da África do Sul, em maio de 1996. O discurso chamou-se "Sou Africano". "Sou Africano. Devo meu ser aos montes e vales, às montanhas e clareiras, aos rios e desertos, às árvores, às flores, aos mares e às inconstantes estações que delineiam a face de nossa terra natal. Sou Africano. Nasci dos povos do continente da África..."

26 de maio de 2006

CULTURA MIDIÁTICA E EDUCAÇÃO INFANTIL

por Alberto da Silva Moreira
Doutor em Teologia, professor da Faculdade de Filosofia e Teologia da Universidade Católica de Goiás e pesquisador do Instituto Franciscano de Antropologia
Fonte: Sítio Rio Mídia (www.multirio. rj.gov.br/ portal/riomidia)

1. A midiatização da cultura – a produção da cultura midiática

1.1. Os conglomerados de comunicação e entretenimento

O surgimento e o desenvolvimento dos meios de comunicação podem ser considerados uma característica essencial da cultura ocidental e uma dimensão marcante da sociedade atual: "Se quisermos entender a natureza da modernidade, (...) as características institucionais das sociedades modernas e as condições de vida criadas por elas – devemos dar um lugar central aos meios de comunicação e seu impacto" (Thompson, 1998, p. 12; 1995, p. 7). Também em sociedades como a brasileira, onde vige uma "modernidade periférica", a produção e a circulação de formas simbólicas pela mídia têm um papel decisivo na vida social e no cotidiano das pessoas.

O emprego sistemático de computadores em praticamente todos os sistemas de comunicação e informação fez aumentar enormemente a velocidade e a qualidade em todas as fases do processo, além de permitir redução de custo e aumento de lucros para as empresas. A revolução digital na transmissão de dados e informações forneceu o substrato material para o advento do que Manuel Castells chamou de a sociedade de fluxos (Castells, 1996) ou a sociedade da informação (Castells, 1997 e 1998).

Pode-se objetar a Castells que a maior parte da humanidade ainda não está conectada com essa rede de fluxos, que dois terços dela sequer fazem uso do telefone e continuam social e economicamente excluídos. Mesmo assim, não resta dúvida de que os processos de mundialização financeira, econômica, cultural e política vigentes só foram possíveis por meio do desenvolvimento das infotelecomunicaçõ es e de seus aparatos. São eles que fornecem o substrato material para o processo de globalização cultural.

Ora, se a globalização for entendida como "produção, distribuição e consumo de bens e serviços, organizados a partir de uma estratégia mundial e voltada para o mercado mundial" (Ortiz, 1994, p. 16), ela nada mais é que a expansão dinâmica da economia de mercado (tendência sempre inerente ao capitalismo) a todos os âmbitos da vida social, em todos os países e regiões do mundo, ainda que de forma e em ritmos diferenciados. A globalização econômica, política e cultural serve, segundo Bolaño (1996, p. 17), ao processo de acumulação e concentração em escala planetária do capital. Assim, podemos dizer que o domínio da informação e das tecnologias da informação "tornou-se fonte alimentadora das engrenagens indispensáveis à hegemonia do capital" (Moraes, 1998, p. 50). Com isso ocorrem:

a) uma internacionalizaçã o do mercado cultural de massa com a quebra das barreiras nacionais;

b) a emergência daquilo que Ortiz (1994, p. 111) chamou de "cultura internacional popular", ou seja, a formação em cada país de uma massa popular consumidora, sensível a determinadas mensagens, estilos e padrões "globais";

c) uma forte concentração e fusão de empresas e capitais atuantes no campo da indústria cultural em termos mundiais, os oligopólios midiáticos (Herman & McChesney, 1997; Moraes, 1998, p. 59).

Assim, ao que tudo indica, nos próximos anos – incorporando e remodelando a produção-difusã o cultural regional – deverá sobressair a atuação de alguns megassistemas transnacionais de informação e entretenimento altamente concentrados. Segundo a consultoria norte-americana McKinsey, a competição mundial tende a envolver apenas cinco grandes empresas por setor (Moraes, 1998, p. 60). São esses oligopólios midiáticos que produzem, distribuem e organizam, em escala global, a maior parte da informação e das atividades culturais como música, cinema, filmes, shows, livros, revistas, bem como entretenimento, esporte, jogos, lazer, o mercado das artes e a indústria da fantasia infantil e juvenil. (Herman & McChesney, 1997; Curran & Gurevitch, 1997).

Em todas essas modalidades de atividade cultural as grandes corporações marcam sua presença em nosso cotidiano por meio dos produtos culturais e informativos que produzem, distribuem ou reformatam para uso local. Mesmo não conhecidas do público, muitas empresas estão presentes pelo fornecimento de equipamentos e satélites, ou pelas inúmeras fusões, joint ventures e participações acionárias nas empresas nacionais ou regionais. As dez gigantes globais do setor são: Time-Warner, Disney, Bertelsmann, Viacom e News Corporation, Sony, TCI, Universal, Polygram e NBC. As cinco maiores faturaram US$ 90 bilhões em 1997; as quatro maiores triplicaram de tamanho nos últimos dez anos e a quinta duplicou; das dez, só três não têm sede nos Estados Unidos: a alemã Bertelsmann, a anglo-holandesa Polygram e a japonesa Sony: "A indústria da comunicação pertence aos setores mais dinâmicos do capitalismo global, sob efetiva hegemonia dos eua como pólo de produção e distribuição de conteúdos" (Herman & McChesney, 1997, p. 69, 70).1

Os "novos missionários do capitalismo corporativo" , na expressão crítica de Herman & McChesney, perseguem uma estratégia global semelhante:

a) ofensividade máxima na guerra industrial e mercadológica em qualquer hemisfério; b) centralização decisória e tecnoprodutiva, conglomeração setorial e desterritorializaçã o das unidades de consumo; c) dispersão transcontinental dos negócios (…); d) investimentos maciços em tecnologias digitais que estimulem a convergência (…); e) acordos e joint ventures (…) inclusive com grupos regionais de mídia, visando à otimização comercial de programações, bens e serviços. (Moraes, 1998, p. 72)

No Brasil, outras grandes empresas estrangeiras da área de telecomunicaçõ es e computação já atuam no mercado: Telefônica, AT&T, Microsoft, IBM, Compaq, AOL, Lucent, Siemens. Os grupos nacionais mais fortes – Organizações Globo, Grupo Abril, Grupo Silvio Santos, Grupo Folha, Estado e Igreja Universal – transmitem e distribuem programas e conteúdos dos grandes conglomerados ou possuem projetos em colaboração com eles.

Em 2002 foi aprovado no Congresso um projeto de lei que abre às multinacionais a participação na composição acionária de empresas brasileiras do setor das comunicações. A pressão dos oligopólios midiáticos, de governos e órgãos financiadores internacionais, aliados a interesses de grupos locais, deve conduzir a um grau ainda maior de desnacionalizaçã o da cultura (midiática) produzida e difundida no Brasil. Todos esses trâmites ocorreram praticamente sem informação e participação do público brasileiro.

1.2. A midiatização da cultura

Qual é o impacto social que esse conjunto de mudanças contido na expressão "globalização cultural" provoca nas culturas locais? O que ocorre no repertório cultural de relatos, identidades, símbolos, lendas e memórias dos grupos sociais e dos povos a partir da interação com o mercado de bens simbólicos transnacionais, onde dominam os grandes conglomerados da cultura e seus sofisticados meios técnicos?

Em razão da magnitude e da complexidade dos processos, não existe, é claro, uma resposta simples a essas perguntas. Aumentam por isso o interesse e os estudos sobre o que ocorre no campo da cultura (Featherstone, 1994 e 1995) e do imaginário local (religiões, valores, idéias e tradições) com a expansão global de estilos de comportamento, consumo e pensamento, de gostos e preferências, e da popularização de fragmentos desconexos das culturas locais. Talvez a característica mais marcante da globalização cultural seja o fato de ela acompanhar e contribuir para o estabelecimento e o funcionamento da economia de mercado em escala planetária. Outra característica, já apontada acima, é o surgimento de uma cultura internacional de massa, ao lado ou por dentro das culturas locais.

A própria dificuldade sentida de circunscrever o conceito de cultura já é indicadora da segmentação (pós)moderna de um pensamento que parece ter abdicado de qualquer recurso à totalidade (Geyer, 1994). Se inicialmente e para efeitos operativos tomarmos cultura, na linha de Berger & Luckmann (1978), como "construção social da realidade", o que implica a criação, reprodução e difusão de sistemas de atitudes e modos de agir, de costumes e instituições, valores espirituais e materiais, devemos admitir que justamente neste âmbito se constituiu um grande e complexo mercado de "bens" simbólicos ou "textos" culturais. Hoje, mais que nunca na história, os agentes privilegiados no processo de (re)criação e difusão de valores, comportamentos, gostos, idéias, personagens virtuais e ficção são as grandes empresas transnacionais da mídia, da publicidade e do entretenimento (Adorno, 1970; Adorno & Horkheimer, 1982; Giraud, 1989; Mattelart, 1986 e 1994; Chomsky & Herman, 1988 e 1997). Essas corporações, cujas empresas conjugam televisão, computadores, Internet, vídeo, cinema, aparelhos de diversão eletrônicos, mas também rádios, revistas, jornais, outdoors, banners e outras formas de comunicação imagética, sonora e/ou virtual, são agentes sociais poderosos. Elas, mais pelas características de sua atuação social que por sua organização interna ou setorial, parecem estar constituindo um verdadeiro sistema midiático-cultural.

A presença ubíqua desse sistema midiático-cultural, a sua ação pervasiva e constante e o poder simbólico de que dispõe estão provocando modificações profundas no âmbito da cultura, em todos os seus aspectos. Talvez a mais importante dessas transformações seja o fato de que a própria cultura é cada vez mais midiatizada.

Por midiação2 da cultura entende Thompson (1995, p. 21) o processo histórico do rápido crescimento e da proliferação de instituições e meios de comunicação de massa nas sociedades ocidentais, que, por intermédio de suas redes de transmissão, tornaram formas simbólicas mercantilizadas acessíveis a um grupo cada vez maior de receptores. Em outros termos, a produção e a transmissão das formas simbólicas (que refletem as experiências e as visões de mundo das pessoas) são sempre mais mediadas pelas instituições e pelos aparatos técnicos da mídia.

A cultura "passa" ou "acontece" cada vez mais na e por meio da mídia. Isso implica: a) que as manifestações culturais mais diversas só são reconhecidas como tais pela sociedade depois de serem "mostradas" ou incorporadas pela mídia; b) que as próprias criações, os personagens e produtos da mídia se tornam bens culturais de alcance social. Ambos os níveis interagem, de forma que a mídia se torna ao mesmo tempo acontecimento, produção e divulgação cultural. Tal abrangência justifica a introdução do conceito de sistema midiático-cultural. Um dos resultados desse processo é a produção da cultura midiática.

1.3. O que se entende por cultura midiática

Cultura midiática tem a ver com determinada visão de mundo, com valores e comportamentos, com a absorção de padrões de gosto e de consumo, com a internalização de "imagens de felicidade" e promessas de realização para o ser humano, produzidas e disseminadas no capitalismo avançado por intermédio dos conglomerados empresariais da comunicação e do entretenimento, e principalmente por meio da publicidade. Num âmbito mais amplo e necessariamente genérico, cultura midiática é a cultura do mercado pensada e produzida para ser transmitida e consumida segundo a gramática, a lógica própria, a estética e a forma de incidência e recepção peculiares ao sistema midiático-cultural. Neste sentido, a noção de cultura midiática é devedora e retoma muitas implicações do conceito de indústria da cultura, ou indústria cultural, mas deseja apontar ou circunscrever realidades específicas do estágio atual de midiatização da cultura.3

Cultura midiática é o produto regular e sempre renovado de um sistema midiático-cultural, cujos principais agentes – os conglomerados midiáticos – colocam a sofisticação tecnológica a serviço da reprodução do mesmo, da "banalidade sintética, fabricada em circuito fechado e sob tela de controle" (Baudrillard, 2001). Na cultura midiática não se trata apenas da conformação do público a determinados hábitos, padrões de comportamento, valores, gostos e preferências, difundidos por meio da mídia, mas da criação, duplicação ou da re-criação da realidade por meio dela.

Em alguns dos seus produtos, como os reality shows (do tipo Big Brother, Casa dos Artistas, Ilha da Sedução) que tudo pretendem mostrar (ou seja, a realidade), essa cultura midiática vai além da própria realidade: virtualiza um real degradado à mais rasa banalidade para o consumo narcisista de um público que dá à simulação (ao vivo) de sua própria cotidianidade, tornada in-significante pelo excesso de exposição e pela orgia imagética, sua mais entusiástica adesão (Zamora, 2000, p. 34).

Ao assumir o conceito de cultura midiática nesta acepção crítica, tenho em mente alguns fatores delimitadores que, a meu ver, não negam, mas recortam e contextualizam, essas afirmações:

a) Não se trata de fazer uma mistura indiscriminada de todas as formas e produtos mass-midiáticos, como se todos agissem da mesma forma, seguissem os mesmos objetivos e alcançassem resultados semelhantes.

b) Existem diferenças de forma e conteúdo mesmo entre peças de publicidade: a propaganda de um governo autoritário não tem o mérito ético-político de uma campanha da Anistia Internacional; um comercial da Coca-Cola não tem a relevância social de um anúncio sobre os perigos da AIDS, ainda que na sua confecção ambos possam utilizar recursos similares de comunicação e marketing.

c) Não se quer afirmar que a influência das indústrias culturais seja sempre negativa; em algumas situações é justamente o contacto com mensagens e horizontes culturais mais amplos que o autoritarismo de determinadas tradições locais que enriquece e anima movimentos e lutas por democracia e direitos humanos.4

d) Em circunstâncias específicas (luta ecológica, reivindicações globais, movimentos populares transnacionais) a mídia tanto pode dissimular como disseminar atitudes e sentimentos de inconformismo, quando não de revolta popular. Este parece ser o caso das recentes coberturas sobre eventos como Seattle, Davos e o Fórum Social de Porto Alegre: o movimento popular tanto pode ser ajudado como difamado pela mídia.

e) Não é possível prever e controlar totalmente o processo de recepção, leitura e reação por parte do público; mesmo campanhas publicitárias milionárias podem tornar-se grandes fracassos financeiros, e ações cuidadosamente planejadas podem provocar efeitos inesperados e indesejados.

Está claro que a midiatização da cultura, por intermédio do papel preponderante dos conglomerados da comunicação, informação e entretenimento, acirrou a crise das instituições tradicionais produtoras de sentido (escola, família, religiões, Estado, culturas locais) e facilitou a constituição de novas instâncias geradoras e difusoras de sentido (Moreira & Zicman, 1994). Esse processo, que é fundamental para se entender as sociedades modernas, ocorre de forma não-linear ou programada e está cheio de conflitos, resistências, releituras e reações.

Também não se deve pensar, como sublinha Thompson (1998, p. 13), que os meios de comunicação falem a indivíduos e sociedades estáticos, a entidades fechadas e "indefesas" que deveriam ser, portanto, "protegidas" da má influência "externa". Toda cultura se forma e reforma constantemente no contacto com o diferente e o exterior a si mesma. A própria noção do que é o "diferente" e do que é o "exterior", de quem somos "nós" e de quem são "eles", precisa ser continuamente refeita e reposta. Assim, a identidade é construída num processo social e simbólico, historicamente específico a cada grupo ou povo. Conforme Woodward (2000, p. 14), "A identidade é, na verdade, relacional, e a diferença é estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a outras identidades (...) [ela] está vinculada também a condições sociais e materiais".

Envolvidos nesse processo social e simbólico de contínua construção e re-posição da identidade, é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos (...). A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis respostas às questões: Quem sou eu? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser? (Idem, ibid., p. 17)

A partir dos discursos e das visões de mundo produzidos pelos sistemas de representação simbólica, os sujeitos podem se posicionar e construir sua identificação com determinados papéis, perfis, significados. Baseados nessa identificação subjetiva, na qual sempre estão presentes desejos e dinâmicas do inconsciente, os sujeitos afirmam ou não seu pertencimento: isso somos nós (e não aquilo), fazemos parte dessa cultura/povo/ comunidade (e não daquela outra).

Percebemos logo que, em todos os momentos do processo social-simbólico de construção e afirmação da identidade e do pertencimento, a atuação do sistema midiático-cultural é marcante. O sistema midiático tornou-se nas sociedades modernas talvez o principal fator gerador e difusor de símbolos e sentidos. Símbolos e sentidos estes que geram tanto sentimentos de identificação e de pertencimento como de anomia e exclusão. Anúncios publicitários só são eficazes porque têm apelo para os consumidores, porque fornecem imagens com as quais eles podem se identificar. A presença da mídia é decisiva porque suas histórias, mensagens e anúncios, como de resto todas as práticas de significação que produzem significados, "envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído".5

Isso nos lembra que as representações simbólicas, incluindo as identidades, estão no entrecruzamento das nossas vidas cotidianas com as relações sociais, econômicas e políticas e não podem ser dissociadas delas.6 Assim, uma análise que se restringisse a examinar a linguagem ou o conteúdo de um produto midiático como algo "em si e para si", dissociado dessa ubicação nas relações sociais mais amplas, falharia com seu próprio objeto de estudo.

Em contrapartida, a própria atuação dos meios de comunicação de massa fez surgir novas formas de ação e interação social, novas formas de relacionamento do indivíduo consigo mesmo e com os outros. Ao influenciar o processo de construção das identidades, ao estimular determinadas lealdades e pertencimentos e ao favorecer determinada visão de mundo, o complexo midiático-cultural tornou-se talvez, o principal agente no processo cultural. Essa é uma mudança significativa.

Em algumas situações os produtos da mídia podem ter oxigenado as tradições: ao transplantá-las para outros contextos, ao relativizar formas tradicionais e autoritárias de vida e ao oferecer às pessoas novas fontes de identidade desconectadas de seus locais particulares (Thompson, 1998, p. 15). Talvez a contribuição mais significativa das redes de informação tenha sido seu papel no processo de formação de uma consciência planetária. Nossa imagem do mundo de fato se transformou. Sabemos que não podemos mais pensar em termos simplesmente locais e isolados; percebemos a realidade de povos e situações antes distantes no tempo e no espaço, e de como estamos interligados. Surgiu uma realidade nova na história humana: a constituição (real) de uma sociedade-mundo, e uma percepção (ideal) do planeta Terra como casa dos humanos e de toda a biosfera. Sem dúvida a atuação dos meios de comunicação de massa foi fundamental neste processo, rompendo a barreira dos Estados, das línguas e das culturas regionais.

Dessa forma, não pretendo fazer juízos totalizantes ou definitivos sobre a atuação da mídia. Para ajuizar devidamente as situações são sumamente importantes os trabalhos sobre formas simbólicas específicas e estudos de caso sobre a recepção e a incidência dos produtos midiáticos. Acerca dessas questões debateu-se mais de meio século nas ciências sociais e na comunicação, desde Lazarsfeld passando por Adorno e Horkheimer, Marcuse e McLuhan até Niklas Luhmann, Baudrillard, Paul Virilio, Néstor Garcia Canclini, Jesús Martín-Barbero e Muniz Sodré, só para citar alguns nomes.

Inegável, contudo, parece-me o fato de que o sistema midiático-cultural elabora e difunde, mesmo se de uma forma não totalmente intencional ou planejada, visões de mundo, sentidos e explicações para a vida e a prática das pessoas e, por isso, passa a influenciar sempre mais seu cotidiano, sua linguagem e suas crenças. Justamente o âmbito das crenças e da elaboração do sentido, da visão de mundo como uma atitude fundamental perante o real, que tradicionalmente foi um espaço ou uma função atribuídos à família, à escola, às religiões e filosofias, está hoje, em boa parte, concentrado nas mãos dos agentes midiáticos.

Ao garantir internamente a existência da contradição e da ruptura, da possibilidade de reapropriação da mídia pelos movimentos sociais, da existência dos ruídos e das ressignificaçõ es realizadas pelo público, enfim: do caráter não monolítico ou total do sistema midiático-cultural, não pretendo obliterar a sua orientação de fundo e sua pragmática busca das duas forças decisivas na sociedade capitalista: o lucro e o poder. Não se pode desconhecer o fato de que qualquer mensagem e produto veiculados pela mídia vêm marcados por características básicas:

- Na mídia nunca temos a ver com a realidade, mas com a sua imagem, relato ou reduplicação tecnológica; trata-se sempre de "experiências de segunda mão" (Arnold Gehlen).

- Todos os "eventos", fatos e processos relatados, mesmo as maiores tragédias, reclamam uma audiência, que deve ser constituída e alimentada.

- A mídia depende essencialmente da publicidade, da propaganda e do marketing como fonte de financiamento.

- Notícias, filmes, programas, músicas são produzidos como mercadorias para serem vendidas e, portanto, precisam gerar lucro.

- Nesse processo as mensagens e informações são transformadas exteriormente e às vezes internamente.

- Elas são produzidas e disseminadas por poucos e grandes conglomerados, ou seja: supõem uma enorme concentração do poder simbólico (e econômico e político) em poucas mãos; produções alternativas e de cunho crítico existem, mas têm grande dificuldade de atingir o grande público.

- Os veículos da mídia funcionam praticamente em uma única direção – raramente permitem intervenção, modificação ou diálogo de fato; as formas de interatividade existentes não questionam fundamentalmente o esquema, mas antes o reforçam.

- Mensagens e produtos são quase sempre formatados com o intuito de criar uma mentalidade afirmativa (Adorno), uma adesão subjetiva ao real existente; seu interesse não é alimentar visões radicalmente distintas das do establishment.

Resumindo: Em que sentido, então, pode-se entender a midiatização da cultura, a constituição de um sistema midiático-cultural e o surgimento de uma cultura midiática?

1) Primeiro, no sentido de que em nossas sociedades tendencialmente todas as expressões culturais, como a arte, as manifestações populares, a literatura, a política, a religião etc., passam ou acontecem por meio da mediação desse sistema de transmissão simbólica; ele é pervasivo.

2) Segundo, no sentido de que o próprio sistema midiático-cultural produz padronizações, fórmulas, esquemas, formatações e expectativas que retroagem e influenciam as manifestações culturais, gerando um processo de mútua influência.

3) Terceiro, no sentido de que o sistema midiático gera e difunde uma cultura que, se não lhe é própria (pois a "matéria-prima" para o seu "produto" em geral não é criada por ele, mas retirada ou "vampirizada" de outros repertórios de significantes, como a cultura popular), pelo menos lhe é adequada: a cultura midiática reorganiza a percepção do espaço e do tempo (Sandbothe & Zimmerli, 1994), difunde poderosamente no imaginário e na prática social das pessoas seus próprios ritmos, espacialidades, formas de interação social, noções de identidade e de pertencimento.

4) Quarto, no sentido de que seus símbolos, ícones, imagens, valores e mensagens, produzidos por poucos, com nenhuma ou pouquíssima intervenção dos receptores, são revestidos de um poder ou potencial simbólico enorme; tal poder simbólico pode ser considerado ideologia se e enquanto tais produtos contribuem para criar ou reforçar formas de dominação explícita ou camuflada (Thompson, 1995).

5) Quinto, no sentido de que o sistema midiático-cultural exerce uma evidente função socializadora e "educadora" da sociedade, sobretudo dos segmentos mais expostos a ele, como as crianças; isso independe, em princípio, se os conteúdos veiculados são negativos ou positivos.

6) Sexto, no sentido de que sua ação é sutil e atua sobre o inconsciente, e por isso não pode ser captada quantitativamente; a mídia influencia muito mais pela sedução que pela argumentação.

7) Sétimo, no sentido de que, por ser pervasivo, comprometido ideologicamente e atuar sobre o inconsciente, o sistema midiático-cultural influencia poderosamente na própria percepção que os sujeitos têm da realidade.

8) Oitavo, no sentido de que as instituições de produção e transmissão simbólica atuam como empresas, que produzem, reprocessam, armazenam, vendem e distribuem mercadorias (bens simbólicos) num mercado; ou seja: trata-se de instituições que se orientam pela busca do lucro (e do poder que ele viabiliza) e não necessariamente por valores humanos ou democráticos.

2. A função socializadora e pedagógica do sistema midiático-cultural nas sociedades modernas

2.1. Crise das instâncias produtoras de sentido

Conforme explicitado acima, o sistema midiático-cultural acirrou a crise de outras instâncias produtoras de explicação e sentido para a vida social. Tradicionalmente a família, a escola, a religião e o Estado eram os responsáveis pela produção e divulgação das formas simbólicas. Eles tinham tempo e meios para impregnar as novas gerações na fidelidade aos "sentidos" gerados. O que nem sempre contribuiu para aumentar o espaço de liberdade e expressão dos indivíduos. Em todo caso, tal situação mudou bastante com o advento dos conglomerados midiáticos.

Para dar um exemplo, o papel do Estado como criador e administrador das políticas públicas para a área da comunicação se enfraqueceu bastante no processo de globalização. Com a diminuição da autonomia dos Estados nacionais, pelo menos daqueles mais fracos, os conglomerados internacionais de comunicação e entretenimento impõem ao mercado mundial seus produtos midiático-culturais (filmes, notícias, jogos, imagens, sons, música etc.). Eles exigem para seus produtos as mesmas regras do livre "mercado" e da "livre difusão" como qualquer outra mercadoria; ou seja, os países não podem pôr entraves à sua circulação (Giraud, 1989, p. 273).

Dessa forma, a maioria dos países, sobretudo aqueles pobres que não têm uma legislação específica para o setor, ou cuja produção midiática é inexistente ou insignificante, é invadida pela enxurrada de mercadorias culturais produzidas por algumas grandes empresas transnacionais. No mundo árabe, por exemplo, a agressiva política de divulgação dos enlatados ocidentais, inclusive filmes e publicações pornográficas, têm provocado reações iradas e alimentado o fundamentalismo islâmico. Alguns autores também têm denunciado a massiva presença do tele-evangelismo norte-americano por sua manifesta imbricação com interesses geopolíticos dos Estados Unidos, inclusive por meio de financiamentos por parte da CIA (Lima, 1987; Assmann, 1990; Carvalho, 1998). Portanto, a expressão imperialismo cultural ainda não pode ser descartada nas discussões sobre o assunto.

2.2. A socialização da infância pela publicidade midiática

Quanto ao papel e à influência da escola sobre as crianças e os adolescentes (sem fazer apologia de qualquer "modelo pedagógico"), basta refletir sobre alguns indicadores para se perceber o quanto essa influência está sendo relativizada:

As indústrias culturais transnacionais, orientadas pelo lucro (definidas livremente como setores que usam símbolos, histórias, imagens e informações para gerar ganhos financeiros) , são hoje as mais poderosas instituições culturais do mundo – contando mais histórias, cantando mais canções, provendo mais imagens e combinando mais metáforas que qualquer outro grupo de instituições do mundo (...). As indústrias culturais hoje dominam a vida nas regiões industriais avançadas e sua influência continua a se espalhar. Nos Estados Unidos seus produtos e atividades ocupam mais do tempo das pessoas do que qualquer outra coisa, exceto o trabalho, a escola e o sono (...). (Budde, 2001, p. 66)

Parece-me inequívoco que os diversos meios de comunicação exercem hoje uma função pedagógica básica, a de socializar os indivíduos e de transmitir-lhes os códigos de funcionamento do mundo. Sem dúvida instituições como a família, a escola e a religião continuam sendo, em graus variados, as fontes primárias da educação e da formação moral das crianças. Mas a influência da mídia está presente também por meio delas. A televisão, por exemplo, ocupa uma fatia considerável do tempo das crianças, sobretudo em meios sociais carentes de fontes alternativas de ocupação e lazer:

Considere que pela primeira vez na história humana as crianças nascem em casas nas quais a televisão fica ligada uma média de 7 horas por dia. E que pela primeira vez a maioria das histórias não é contada pelos pais, nem pela escola, nem pela igreja, nem pela tribo ou comunidade e, em muitos lugares, nem mesmo pelo país de origem, mas por um grupo relativamente pequeno de conglomerados empresariais que possuem algo para vender. (Gerbner, 1998, p. 2, apud Almeida Jr., 2001, p. 50)

Mas, ao falar sobre a função socializadora da mídia, devemos dar atenção especial a um setor emblemático de sua atuação, a propaganda. A propaganda atualmente é o principal vetor do sistema midiático-cultural e talvez traduza emblematicamente a "essência" mesma desse sistema. Eis algumas razões para essa suposição: em primeiro lugar, a ligação intestina do sistema midiático-cultural com a publicidade é clara: a propaganda é a principal fonte de financiamento dos conglomerados midiáticos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a imprensa depende da publicidade em cerca de 3/4 de sua renda; as rádios e televisões dependem totalmente dela e mesmo os canais públicos estão cada vez mais dependentes desta fonte de financiamento (Schiller, 1994, p. 33). Em segundo lugar, como os produtos culturais veiculados pela mídia são, também, mercadorias destinadas ao consumo, eles possuem uma certa co-naturalidade com as peças publicitárias, que visam explicitamente a tal consumo. Em terceiro lugar, o próprio formato, o estilo, a linguagem visual e os recursos das peças publicitárias (por exemplo, do spot) passam a informar e conformar outras produções midiáticas, como os shows, o jornalismo e o cinema. Busca-se integrar a eficácia comunicativa da publicidade aos demais produtos midiáticos (concisão, impacto, rapidez, evidência, impressão duradoura). Isso sem mencionar os casos mais corriqueiros de propaganda explícita ou velada nas novelas e nos filmes.

A indústria da publicidade, por si, é um dos ramos mais cobiçados do sistema midiático-cultural, movimentando um orçamento global de US$ 400 bilhões em 2002 (Moraes, 2003, p. 205). No Brasil, foram investidos R$ 12,9 bilhões em publicidade em 2000, sendo 63,5% na televisão.7 Para um autor crítico como Herbert Schiller, este conjunto de fatores implicaria no longo prazo a transformação da imprensa, do rádio, da TV a cabo, da Internet e de qualquer tecnologia subseqüente em instrumentos do marketing.

Todavia é preciso avançar na compreensão da propaganda. Como os estudos de Leiss, Kline & Jhally (1997, p. 5) inequivocamente mostraram, a publicidade não constitui simplesmente um setor na estrutura produtiva ou de consumo, ao lado de outros setores, como a agricultura, o vestuário ou a pesca. Ela pervade todos os setores. A propaganda e o marketing tornaram-se na verdade um environment, um "ambiente cultural" dentro do qual as pessoas nascem e crescem, como se fosse essa uma "cultura", sua "própria" cultura, o ar que respiram. Este ambiente cultural sui generis, povoado por entidades às quais se agregam qualidades, as marcas, impregnado de relações de compra e venda, cujo interesse maior não é vender produtos, mas formar para o consumo, tornou-se uma presença pervasiva também no universo infantil.

O norte-americano médio é exposto a pelo menos três mil propagandas a cada dia e gastará três anos de sua vida assistindo a comerciais de televisão. As propagandas perfazem cerca de 70% de nossos jornais e 40% de nossas correspondências. Naturalmente, não prestamos atenção direta à maioria destas propagandas, mas somos poderosamente influenciados, geralmente em um nível inconsciente, pela experiência de estar imersos em uma cultura da propaganda, uma cultura voltada para o mercado, na qual nossas instituições políticas, religiosas e educacionais estão crescentemente à venda pela oferta mais alta. (Kilbourne, 1999, p. 58-59, apud Almeida Jr., 2001, p. 50-51)

Em alguns países e camadas urbanas, adultos e crianças gastam entre 24 e 30 horas por semana assistindo à televisão, isso sem contar o tempo que passam escutando rádio ou música, lendo jornais e revistas, conectando-se com a Internet ou consumindo outros produtos culturais da mídia (Thompson, 1995, p. 9). Calcula-se que um jovem norte-americano aos 14 anos de idade já viu cerca de 22 mil mortes nos meios de comunicação, e já terá deglutido (passiva ou ativamente) alguns milhões de propagandas (O'Sullivan, Dutton & Rayner, 1998, p. 4-5).

Ocorre que a atenção ou audiência do público se tornou uma mercadoria escassa e disputada; os conglomerados midiáticos vendem-na caro aos anunciantes e dela dependem para se manter. Por isso a necessidade de garantir cotas de audiência ou de mercado passa a ser buscada como critério decisivo em todas as fases de produção dos programas e das revistas, também aqueles dirigidos ao público infantil. Essa audiência ou atenção precisa ser explorada ao máximo e assim, além da publicidade explícita, o comercial é misturado ao próprio conteúdo do produto midiático. O consumo da marca torna-se parte integrante da própria mensagem: "Os meios interativos anunciam um conjunto inteiramente novo de relações, derrubando as barreiras tradicionais entre o 'conteúdo' e o 'comércio', e criando intimidades sem precedentes entre as crianças e os marqueteiros" (Montgomery, 2000, p. 636).

A publicidade na Internet, na TV e nos jogos eletrônicos – em conseqüência do grau de imersão, envolvimento emocional, prazer e criatividade que permitem – está fomentando lealdade a marcas e estilos, criando entre as crianças e os adolescentes "comunidades virtuais" de "amigos" ou de "parceiros" de determinado produto. Cada vez mais cedo o imaginário infantil é cooptado e povoado por marcas e logos, os ícones do consumo.8

Não é preciso muita imaginação para se perceber que essa colonização do simbólico pela propaganda vai influenciar a formação cultural e espiritual das crianças. Elas estão sendo acostumadas (como nós adultos) a consumir não apenas aquilo que a publicidade indica, mas a consumir a própria publicidade como modo de ser. Modo de ser como exteriorização e ser-para-fora, ser como narcisismo e publicidade do privado, ego como sucesso mercadológico, raso e banal. Outro não parece ser o sentido do costume recente de pagar milhões por declarações de amor espalhadas pelos outdoors da cidade. Aqui o espaço-veículo publicitário se confunde com sua mensagem-produto; a intimidade degradada e banalizada torna-se mercadoria para o consumo da multidão. Como o modo de ser da publicidade é necessariamente o do efêmero e do descartável, essa tirania da sobreposição nivela e erode, no limite, qualquer valor. No vácuo axiológico que ela ajudou a criar, a propaganda tenta estabelecer seus próprios valores, ritos e crenças. Julgo, portanto, que não há exagero quando a intelligentsia da propaganda e do marketing mundial, numa reportagem do Financial Times, declara serem as marcas uma religião, talvez a única religião universal dos nossos dias:

"Brands are the new religion", declared Young & Rubicam, one of the world's biggest advertising agencies, this week as it published its annual league table of global consumer brands. Successful brands, it explained, stood for more than a product. They represented a set of beliefs and the people who built them were like the missionaries who spread Christianity and Islam around the world. "The brands that are succeeding are those with strong beliefs and original ideas", Y&R said. "They are also the ones that have the passion and energy to change the world and to convert people to their way of thinking though outstanding communications. "9

Mais que as religiões e as culturas locais, quem parece agenciar hoje os símbolos de identificação, valores e estilos de ser na aldeia global, são as marcas e os logos, manipulados pelas agências de publicidade e seus "gurus". Esses "novos missionários" (como os antigos) dedicam especial atenção ao público infantil e adolescente, pois sabem que as crianças são mais receptivas à sua pregação. Todavia, ao invés do catecismo chato a ser decorado, a nova "catequese" é agradável e envolvente: ela se vale de sons, ritmos, imagens cativantes e muito humor. E começa muito mais cedo, no ventre da mãe. Trata-se, sobretudo, de formar hábitos e lealdades nos pequenos. Sem deveres e castigos, a religião do consumo só promete recompensas. Por isso conta com a adesão entusiasta das crianças, pois a inteligência, a sofisticação e a interatividade embutidas na propaganda fascinam e envolvem pelo prazer que produzem.

Assim, antes de serem alfabetizadas pela escola, as crianças, sobretudo nos grandes centros, já foram alfabetizadas pelas marcas e pelos logos. Antes de aprenderem direito a falar, elas começam a ler o mundo por meio dos ícones do consumo. Na verdade, muitas de suas primeiras palavras já vêm desse ambiente. A publicidade e o marketing, legitimados e escorados no seu tremendo sucesso econômico, vão mostrando às crianças pela vida afora o que é agradável, atraente, criativo e, sobretudo, desejável. No fundo, o que vale a pena. Qual outra instituição social disputa com eles essa univocidade axiológica ditatorial?

Para isso, as crianças precisam ser submetidas a uma saturação simbólica sem precedentes. Esse excesso de informação e de sentido é veiculado por empresas de bens simbólicos, disputando a atenção e o bolso dos pequenos consumidores. Alguns canais de televisão, por exemplo, dirigem sua programação exclusivamente para crianças de até 5 anos.10 Uma característica da saturação simbólica é o uso direcionado e planejado das imagens comerciais para o público infantil.

2.3. Saturação de imagens – preguiça do pensamento

Ao falar de um excesso ou "orgia imagética", quero apontar para o predomínio da imagem nas formas de apreensão e representação do mundo presentes na cultura midiática. Não se trata aqui de entrar no debate já longo, levado a efeito na semiótica e na lingüística, sobre uma possível subordinação ou decadência da palavra (ou da escrita) com relação à imagem (Santaella & Nöth, 1999, p. 58 e ss.). O que me parece importante ressaltar é justamente o que a pesquisa na semiótica revelou acerca da eficiência específica da imagem com relação à linguagem:

De acordo com esta, as imagens atuam mais fortemente de maneira afetivo-relacional, enquanto a linguagem apresenta mais fortemente efeitos cognitivo-conceitua is. (Janney & Arndt, 1994) Imagens fomentam atenção e motivação, são mais apropriadas à apresentação de informação espacial e facilitam, em certo grau, determinados processos de aprendizagem. (Weidenmann, 1988, p. 135-138) A eficácia emocional das imagens cresce com o grau de sua iconicidade. (Reimund, 1993). (Santaella & Nöth, 1999, p. 44)

A eficácia emocional das imagens aumenta com o seu grau de iconicidade, mas em geral não se dispensa o texto ou a fala. O filme, o anúncio na revista, ou o comercial na televisão, por exemplo, articulam de maneira pensada as duas coisas, para que o texto potencialize a imagem. A técnica pode ser observada tanto num filme de Fellini como num comercial de cerveja, com evidente diferença qualitativa de conteúdo. De todo modo, a exposição de crianças e jovens às imagens, sobretudo publicitárias, é constante e duradoura. Além disso, essa exposição se dá freqüentemente em ambientes que requerem uma total imersão do indivíduo, como na Internet, nos videogames e nos jogos interativos.

A seqüência frenética de imagens, a sensação de desafio e "perigo", os movimentos rápidos e coordenados, concentração total e gratificação instantânea: esse conjunto de fatores leva muitos adolescentes a se tornarem literalmente viciados em Internet e nos jogos eletrônicos. Alguns passam mais de oito horas por dia, semanas inteiras, jogando videogame.11 Aparecem sempre mais os casos de morte por "overdose de Internet".12 Nesses casos a linguagem e o raciocínio argumentativo dos indivíduos tendem a se embotar. Os adolescentes desenvolvem destreza e raciocínio seqüencial rápido, mas perdem o interesse em aprender a pensar. O consumo compulsivo de imagens ultra-rápidas, aliadas a sons exóticos e ritmos extasiantes, pode levá-los a buscar um estado de constante excitação. Em tal situação, é muito mais difícil organizar argumentativamente seus próprios sentimentos, projetos e desejos.

Os jovens aprendem cedo a realizar tarefas de grande complexidade científica e tecnológica, mas parecem existencialmente mais infantis, narcísicos e inseguros. A cultura-vídeo, sobretudo por meio da imersão na realidade virtual, favorece o espelhamento narcísico, mas não fomenta nenhum amor do jovem por si próprio: "A deslocação do interesse libidinal para a própria imagem realiza-se em troca de uma completa anulação da vida interior e do próprio eu real" (Perniola, 1994, p. 49, apud Sodré, 2002, p. 156).

Adolescentes viciados em Internet podem perder aderência à realidade circunstante, além de involuir na sua capacidade para formar e manter vínculos afetivos diretos. Eles tendem a diminuir seu interesse pelas formas diretas de sociabilidade e a se isolar. A expressão de afetos, desejos e emoções é canalizada para e-mails e chats, ou seja: as crianças e os jovens desenvolvem uma sociabilidade mediada pelos aparatos eletrônicos, numa ausência de vinculações comunitárias. Tal sociabilidade pode ser, em tese, mais ampla, mas será certamente mais superficial e efêmera.

2.4. Mudanças na percepção da realidade

Sempre se disse que a mídia influencia na percepção da realidade. O cinema, por exemplo, é

desde o início uma mistura fascinante de espetáculo, indústria, negócio, técnica, arte e inclusive magia. O cinema é imagem em movimento. A fotografia reflete a realidade e o cinema dá vida a essas imagens, as anima. O cinema cria no espectador uma ilusão de realidade, mas, na verdade, essa realidade está desfigurada pela técnica narrativa, pelos ângulos da câmera, pela forma com que se filma uma cena, pela montagem etc. (Feldman, 1984, p. 46)

Sabemos que a percepção da realidade muda segundo uma gama imensa de filtros e variáveis, desde o contexto cultural, a história pessoal e familiar, classe social, gênero, idade, disposições herdadas etc. Mas, como vimos acima, vai se formando no contexto da cultura midiática uma percepção da realidade altamente fragmentada, efêmera e impessoal, imersa no ambiente cultural da propaganda e do marketing. Os constructos simbólicos agenciados pelo sistema midiático-cultural e seu aparato tecnológico são pervasivos e atuam no longo prazo. Tomemos a percepção da guerra como exemplo. O que antes era distante no espaço e no tempo, com a transmissão ao vivo pela TV tornou-se próximo e até familiar, em virtude dos mapas e esquemas em 3D gerados por computador. Contudo, essa proximidade é exterior, não gera necessariamente identificação ou solidariedade. Participamos da guerra consumindo avidamente as imagens da guerra, ou seja: como espectadores de um filme que se desenrola diante de nós. A realidade cede à simulação, a guerra torna-se espetáculo: mísseis e "bombas inteligentes" são descritos em detalhes, em seguida mostra-se como funcionam, com casas e prédios indo pelos ares em explosões multicoloridas. A estética da morte pode inclusive fazer subir as ações na Bolsa de Nova York13 e, se mostra a dor das vítimas, essa dor quase não nos atinge mais.

Suponhamos que a técnica a serviço do mercado transforme a guerra em jogo interativo, e possa-se jogar a guerra em casa ou na escola. Os personagens e as paisagens do drama histórico, que custou a vida de milhares de pessoas, viram figurações fantasmáticas na tela do monitor. Os jogadores podem assumir ora a "personalidade" de um, ora a de outro contendor e mudar a seu gosto a configuração de personagens, arsenal, locais de luta. A experiência deslocaliza- se, perde aderência à realidade histórica para imergir no arbitrário da realidade virtual. No entanto, para um aficionado, as situações que "enfrenta" e as emoções que "vive" no jogo podem ser de uma realidade subjetiva muito mais intensa que a realidade objetiva do seu próprio cotidiano, no qual também morrem pessoas de verdade. Perante a dinâmica do hipertexto a própria realidade torna-se "sem graça" e "lenta". Pode ser que o jovem aficionado, como alguns soldados norte-americanos, busque na guerra ou em conflitos reais a chance de "reviver" emoções que experimentou em seus videogames.14

Casos extremos mostram que tais mudanças na percepção da realidade, sobretudo entre jovens de determinados segmentos sociais, estão avançadas. Nos Estados Unidos e na Europa têm acontecido assassinatos em escolas, praticados por adolescentes viciados em jogos violentos. No Brasil, os quatro jovens de classe alta que atearam fogo ao índio Galdino afirmaram que queriam fazer apenas uma brincadeira. Ainda mais extremo é o caso do comércio de fitas de vídeo que mostram imagens de tortura e morte de pessoas reais. Provavelmente entram na explicação de tais tragédias fatores de ordem familiar, componentes sociais, desvios psíquicos etc. O que a cultura midiática, especificamente, parece cultivar é um experimentalismo e um voyeurismo mórbidos, que não reconhecem fronteiras entre o real e a ficção. A sedução midiática – penso, sobretudo, no culto à violência em filmes e jogos – exacerba uma fantasia adolescente de provar experiências- limite, "curtir" emoções cada vez mais fortes; emoções estas que sua realidade cotidiana – previamente banalizada pela mesma mídia – não pode proporcionar.

A perda de sensibilidade e da habilidade para organizar valorativamente o real, o embotamento da capacidade para perceber a alteridade e o sofrimento humano, inclusive o próprio, são conseqüências que se podem prever nesta crônica de uma morte anunciada. Baudrillard (2001) chegou a falar de um verdadeiro "assassinato do real", de um desaparecimento do real em conseqüência justamente do excesso de realidade, de uma sobreexposição de realidade que dissolve todo limite, todo critério e referência. A dissolução crônica dos parâmetros de percepção contribui para o processo social de fabricação da insensibilidade.

Talvez por isso a "procura da 'realidade real' reapareça na arte contemporânea com um vigor inesperado" (Schøllhammer, 2002, p. 77). Em muitas escolas nota-se também um esforço pedagógico para fortalecer laços imediatos, favorecer contactos pessoais dos alunos com realidades de exclusão e sofrimento, encontros com pessoas de outras culturas e de outras etnias. Em tais iniciativas pode-se começar um diálogo com o diferente, praticar a sensibilidade para com a realidade do sofrimento, e contribuir para que pessoas atingidas pela marginalização recuperem narrativamente sua identidade e dignidade.

Ainda no contexto das mudanças na percepção da realidade introduzidas pelas novas tecnologias, só posso mencionar de forma rápida a realidade criada pelo cyberspace.15 O mundo da simulação virtual, com suas virtudes e vertigens, tornou possível e atraente a total deslocalização e desmaterializaçã o da experiência:

Los mundos virtuales equivalen a una verdadera revolución copernicana. Antes girábamos alrededor de las imágenes, ahora vamos a girar dentro de ellas (...). Como herramienta de escritura, la imagen de síntesis modifica nuestra relación con lo real, estructurándolo de otra manera. Como lugar virtual, establece lazos inéditos entre la concepción y la percepción, entre los fenômenos perceptibles y los modelos inteligibles. (Quéau, 1995, p. 11 e 36)

Conforme Quéau, tudo o que se refere profundamente à imagem do homem, à sua presença perante os demais, tem necessariamente conseqüências psicológicas, filosóficas e morais. Certamente o virtual, como invenção humana que recria o humano e a própria realidade, também abrirá possibilidades novas e positivas em diversas áreas, inclusive nas práticas pedagógicas. Para Quéau o desafio será nos convencermos disto a tempo, de forma que não se permita que apenas a lógica dos negociantes e dos técnicos de computação decida acerca da utilização de nossa imagem e de nossa memória (1995, p. 95).16

2.5. Mudanças na formação da identidade e dos sujeitos

Parágrafos acima mencionei os processos de composição e recomposição permanente da identidade como fundamentais para a formação dos sujeitos. Os mecanismos de percepção e filtragem da realidade, conquanto dinâmicos, são essenciais para a constituição de uma identidade e para a própria subjetividade, essa noção do "eu interior", típica da civilização ocidental. É notável que um autor como Giddens identifique o surgimento de "novos mecanismos de auto-identidade que são constituídos pelas instituições da modernidade, mas que também a constituem" (Giddens, 2002, p. 9), e sequer mencione o sistema midiático-cultural como o mais importante conjunto dessas "instituições" . Nas suas observações sobre a transformação da intimidade e sobre o eu – entendido como um projeto a ser organizado reflexivamente pelos sujeitos, enquanto constroem os próprios contextos institucionais em que existem –, Giddens não examina, ou não concebe, que tais transformações da intimidade, como a incerteza, a cultura do risco, a opção por estilos de vida, a construção e o controle do corpo, a vergonha, o narcisismo e, afinal, a falta de sentido pessoal – identificada por ele como um problema psíquico fundamental na modernidade tardia –, estejam em ligação "orgânica" com a cultura produzida e difundida pelo sistema midiático-cultural. Mais ainda: que tais rupturas e transformações, ainda que não totalmente planejadas ou intencionadas, têm sido funcionais e necessárias para que o "capitalismo simbólico" amplie seu leque de possibilidades de acumular mais-valia e se consolide subjetivamente na vida social. A atual superoferta de terapias é sintomática, pois os indivíduos correm o risco de soçobrar emocional e fisicamente sob o peso das pressões do sistema. Eles precisam "amarrar" sozinhos os fragmentos do eu, dilacerado por pressões, ameaças, incertezas e cobranças.

Para Giddens, o projeto reflexivo do eu "consiste em manter narrativas biográficas coerentes, embora continuamente revisadas". Esse processo acontece hoje num contexto de múltipla escolha, filtrada por sistemas abstratos, e num quadro de crise das instâncias tradicionais mediadoras da identidade. O problema justamente é que em tal contexto se torna difícil manter narrativas biográficas coerentes; para narrar é preciso ter lembranças, cultivar memórias, saber articular discursivamente processos de vida e luta em unidades de sentido. Uma questão pedagógica básica permanece: Que características assumem identidades e subjetividades constituídas num ambiente cultural cada vez mais dominado pelo sistema midiático-cultural? Ou, dito de outra forma: Como contribuir para que os processos de formação da identidade e da sujeiticidade incluam existencialmente valores como liberdade, participação, autonomia? Não será fácil dar uma resposta satisfatória a estas questões. Já vimos, mesmo que de forma rápida, como a cultura midiática e as novas tecnologias incidem no processo de formação da identidade de crianças e adultos. Algumas tendências perigosas foram identificadas:

- O esvanescimento da percepção dos limites entre real e ficção, induzido pela simulação virtual, pode favorecer o desinteresse pelas realidades locais e concretas em benefício de uma fuga para a fantasia, que se "enche de realidade".

- A aceleração constante das experiências sensoriais na interface com os aparatos tecnológicos pode criar um estado de excitação contínua, que dificulta a concentração em outras situações de aprendizado.

- A superexposição à imagem, se não trabalhada, facilita a preguiça do pensamento, o desinteresse pela leitura e a conseqüente decadência da palavra e do pensamento argumentativo.

- A transitoriedade dos constructos simbólicos mediando as relações humanas pode gerar insegurança e certa angústia na criança, sobretudo quando ela não possui referenciais familiares mais sólidos.

- A perda da memória coletiva, substituída por lembranças alheias e de curto prazo, favorece a dessolidarizaçã o e o individualismo, incidindo sobre o processo de formação das identidades.

- A incessante pedagogia da propaganda busca formar nas crianças hábitos de consumo e lealdade a marcas, em detrimento da autonomia, do senso crítico e da lealdade a pessoas e causas concretas.

- A crescente expressão da intimidade por meio da mediação eletrônica pode desestimular a sociabilidade e o diálogo direto, que demandam habilidades próprias e maior envolvimento.

- A oferta de gratificação instantânea, típica da cultura midiática, exerce uma pressão constante sobre a leitura e o aprendizado, que precisam adaptar-se; como tendência torna-se mais difícil para as crianças perceberem que algumas coisas demandam tempo para amadurecer e dar frutos.

- A superexposição às cenas de violência tende a banalizar a vida e a própria morte, contribuindo para um processo sociocultural de dessensibilizaçã o.

- A imersão na cultura midiática (com seus referenciais e aparatos tecnológicos) altera os quadros subjetivos de percepção da realidade e influi no processo de constituição das identidades e subjetividades.

- O espelhamento narcísico, pela imersão no mundo virtual, junto com a atomização da experiência nos quadros da cultura midiática vão influenciar o processo de constituição dos sujeitos (como capacidade para manter narrativas biográficas coerentes), ao excluir quaisquer referências comunitárias. O resultado, como indicam exemplos extremos, poderá ser a formação de subjetividades extremamente frágeis, imprevisíveis, egocêntricas e dessolidarizadas.

CONCLUSÃO

Somente é possível falar em "cultura midiática" quando se reconhece o fato de que a maioria absoluta da população é, desde sua mais tenra infância, socializada pelo sistema midiático-cultural. Isso aponta para a função pedagógica da mídia como a grande (des)educadora das massas e da infância. Um componente essencial ao sistema midiático-cultural e à própria cultura que ele produz é a publicidade e o marketing. Os produtos simbólicos altamente elaborados pela indústria do marketing e da publicidade acompanham-nos desde muito cedo, até o ponto de os julgarmos componentes "naturais" na nossa percepção da realidade, inclusive subjetiva. Seus ícones (Coca-Cola, McDonald's, Disney, Xuxa) ensinam as crianças a "ler" o mundo, a "identificar" e a "desejar" muito antes de elas serem alfabetizadas pela escola, às vezes antes mesmo de aprenderem a falar. As conseqüências desse processo de cooptação do imaginário infantil, mesmo se não totalmente investigado, já se mostram preocupantes.

Felizmente as crianças não são usuários passivos da mídia. Sabemos que eles abordam a mídia a partir de suas histórias pessoais, das construções sociais cultivadas na família e na comunidade e que a psique humana possui um potencial vigoroso para lidar com tais influências (Arnaldo, 2002, p. 449). Além disso, no mesmo movimento de instauração de um sistema midiático-cultural e de uma cultura que lhe é funcional, a cultura midiática, os sujeitos podem repor novas formas de ação e reação, abrir brechas para a criatividade e criar novos espaços de resistência. Conforme Hinkelammert o sujeito em si ou a priori não existe, ele não é uma substância, uma entidade ou mesmo o indivíduo concreto, mas é uma "ausência que grita": o sujeito constitui-se enquanto se opõe e resiste à redução pretendida pelo sistema social dominante. Ser sujeito é responder ao chamado a tornar-se sujeito, que se revela no decurso de um processo, baseado na intersubjetividade, de busca do bem comum, contra as tendências autodestrutivas do sistema (2000, p. 77-78). O ser humano – como ator social, sempre finito e engajado em causas concretas, mas nunca esgotado pelas mediações históricas e sempre transcendente a seus papeis sociais – "(...) se afirma como sujeito gritando, se opondo a essa redução que torna sua vida insuportável" (Sung, 2000, p. 55).

Julgo, assim, que algumas questões urgentes e de fundo vão ocupar cada vez mais nosso esforço de pais, mães, educadores e agentes pedagógicos nos próximos anos:17 Como trabalhar pedagogicamente o impacto de uma cultura calcada na exteriorização mercadológica compulsiva? Se existe clareza de que não é possível deixar a formação das crianças nas mãos de marqueteiros e projetistas de videogame, como pensar a educação infantil em um contexto dominado pelo sistema midiático-cultural? Que estratégias pedagógicas e reservas de sentido podem ser acionadas para resistir produtivamente a este modo de ser orientado à exteriorização publicitária, ao espetáculo e ao descartável?

NOTAS

1. Segundo Dênis de Moraes, a invasão audiovisual no Brasil "pode ser medida pelo volume de filmes norte-americanos exibidos pelas TVs por assinatura. Em maio de 1998, a TVA, do Grupo Abril, exibiu 865 filmes... dos quais 650 produzidos nos EUA– o que representa 75% do total. As películas européias somaram 153 (18%)... Ao cinema brasileiro coube a ínfima cota de 21 filmes (2,5%). Nenhum outro país latino-americano entrou na seleção". (1998, p. 70).

2. Prefiro o termo "midiatização" da cultura, para realçar o papel ativo da mídia no processo. "Midiação" ou "mediação" parecem-me termos indefinidos e/ou ambíguos. O termo "mídia" já é estrangeirismo (pronúncia brasileira do inglês media), mas o equivalente português "meios" não se firmou. "Mídia" tornou-se hoje praticamente o termo técnico para se referir ao conjunto dos meios de comunicação social, inclusive Internet e jogos eletrônicos, e é utilizado aqui nesta acepção.

3. O conceito de indústria da cultura, criado por Adorno em 1944, na primeira versão da Dialética do esclarecimento, é um dos mais férteis, e debatidos, das ciências sociais. Estou fundamentalmente de acordo com a crítica adorniana da universalizaçã o do princípio da mercadoria, que toma posse do âmbito da cultura, de sua análise da indústria da cultura como estetização da realidade, e da fetichização dos produtos culturais. No entanto, não creio ser necessário assumir o caráter totalizante de sua crítica; acho difícil afirmar a universalidade da pseudocultura, ou que todos os produtos da indústria da cultura são totalmente estandardizados até o núcleo formal de sua constituição; creio ser necessário levar em conta as formas e condições de incidência específica dos produtos culturais e considerar que sua recepção pelo público gera, como todo processo social, também efeitos não planejados e conseqüências não controladas. Mas a discussão pró e contra continua: cf. Cohn, 1998; Esteves, 2001; Steinert, 1998; Thompson, 1998; Zuin, 1999; e o excelente estudo de Zamora, 2000.

4. Para alguns membros de movimentos sociais na Índia, a chamada globalização cultural serviu para enfraquecer o sistema de castas e, conseqüentemente, possibilitou alguma ascensão social para os párias (daliths) e mais direitos para as mulheres; cf. Menon, 2000, p. 24-28.

5. Woodward, 2000, p. 18; grifo meu.

6. "(...) a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora... a identidade é a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação" (Rutherford, 1990, p. 19-20, apud Woodward, 2000, p. 19).

7. "O bê-á-bá eletrônico", Folha de S. Paulo, TV Folha de 19/4/2003, p. 6.

8. Apenas um exemplo dessa colonização do imaginário infantil pelas marcas e a publicidade: pesquisa recente mostrou que Ronald McDonald, o palhaço-mascote da rede de lanchonetes McDonald's é identificado por 96% das crianças norte-americanas. A logomarca da rede é mais conhecida que a cruz cristã e já é o segundo símbolo mais conhecido do planeta, só perdendo para o dos jogos olímpicos; cf. Fontenelle, 2002, p. 28.

9. "As marcas são a nova religião", declarou nesta semana a Young & Rubicam, uma das maiores agências de publicidade do mundo, ao publicar sua lista anual das marcas globais mais reconhecidas pelos consumidores. As marcas de sucesso, segundo ela, veicularam mais que um produto. Elas representaram um conjunto de crenças e as pessoas que as construíram agiram como os missionários que espalharam o cristianismo e o islamismo pelo mundo. "As marcas que estão tendo sucesso são aquelas vinculadas a crenças fortes e idéias originais", disse Young & Rubicam. "São também as que possuem a paixão e o dinamismo para mudar o mundo e para converter as pessoas à sua maneira de pensar, por meio de comunicações de alto nível." "Brands, the last temptation of capitalism", publicado no Financial Times de 2/2/2001 e comentado pela Folha de S. Paulo de 4/3/2001, Caderno Mundo ("Publicitários dizem que marcas são nova religião").

10. "TV para bebês: apesar de não terem renda e de serem praticamente ignoradas pelo Ibope, crianças de até cinco anos são alvo da disputa entre os canais infantis", TV Folha, 13/4/2003.

11. Nos três primeiros meses de 2002 foram reportados três casos de ataques epilépticos fatais nos Estados Unidos, em conseqüência da exposição intensa das pessoas ao videogame Everquest; cf. "Mãe de jogador suicida processa Sony nos eua", em www.uol.com. br/folha/ informatica/ ult124u9665. shl (4/4/2002). Contudo, as vendas de videogames em 2001 superaram toda a arrecadação de Hollywood; cf. Folha Online, edição de 8/2/2002, "Venda de videogames bate recorde e supera Hollywood em 2001", em www.uol.com. br/folha/ informatica/ ult124u9242. shl

12. "Jovem morre após passar 32 horas em frente do PC", em http://www1. uol.com.Br/ folha/informá tica/ult12411358 .shtml

13. A matéria "Bombas caem e bolsas sobem" de O Popular de 22/3/2003 sobre a guerra no Golfo dizia: "Mercado em festa. Indicadores financeiros alcançam recordes e investidores comemoram" (Mundo, p. 24).

14. Alguns soldados americanos diziam eufóricos na TV que a guerra no Iraque era mais emocionante e lhes dava mais "adrenalina" que qualquer jogo de videogame. Para Paul Virilio, não há mais separação entre o campo de batalha real e o virtual; conquistar o espaço virtual pela propaganda é tão importante quanto conquistar o território do país ocupado. Folha de S. Paulo, 6/4/2003, Caderno Mundo, A 24.

15. Muniz Sodré, em estudo recente e fecundo, incursionou pelos meandros técnicos e pelas implicações filosóficas do virtual como metáfora e espelhamento do humano (Antropológica do espelho, 2002).

16. A grande metáfora do filme Matrix (1), ele mesmo um produto cultural altamente mercantilizado, é que a sociedade atual, mormente a norte-americana, já vive numa ambientação artificial, em tudo semelhante à imersão no hiper-real: numa alienação total (às vezes desejada) perante o desencanto e a falta de glamour da realidade, comandada pelo poder oculto de uma supermáquina, que ao mesmo tempo em que gera e alimenta, controla e vampiriza os humanos, inclusive os seus sonhos.

17. Felizmente algumas iniciativas promissoras têm surgido no âmbito da educação para a mídia: ONGs dos Estados Unidos e da Europa, especializadas na orientação dos pais; grupos de pressão para influenciar mudanças na legislação audiovisual e na programação das emissoras; e sobretudo o projeto internacional da unesco, dirigido explicitamente ao fomento e à discussão de programas de educação para a mídia (Carlsson & Feilitzen, 2002). No Brasil um fruto desse projeto foi o Programa Educativo do Telespectador, voltado para a formação de professores (Arnaldo, 2002, p. 441).

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