29 de janeiro de 2003

PETRONILHA SILVA FALA SOBRE OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO CURRÍCULO ESCOLAR

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Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva

Da equipe PPCor - 29/04/04

PPCor - No dia 10 de março de 2004, o parecer e a resolução que instituíram as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana” foram aprovados por unanimidade na reunião do Conselho Nacional de Educação (CNE) e encaminhados para o Ministério da Educação (MEC). Qual o histórico institucional da criação dessas Diretrizes?

Resposta - Antes de mais nada cabe apontar as reivindicações e propostas do Movimento Negro brasileiro, ao longo do século XX, no sentido de que nos currículos escolares incluissem História e Cultura dos Afro-Brasileiros e dos Africanos.

De acordo com Cristina Almeida[1][1], em 1978 o Movimento Negro Unificado solicitou ao MEC que fosse introduzida nas escolas brasileiras o estudo da história da África.

Em 1982 o Centro de Estudos Afro-Orientais, em Salvador, em convênio com a Fundação Ford ofereceu a professores da Educação Básica, da rede estadual, o curso Introdução aos Estudos da História e das Culturas Africanas.

Em 1985, o Conselho Estadual de Educação da Bahia, por meio do Parecer 089/1985 manifestou-se favoravelmente à inclusão da disciplina Introdução dos Estudos Africanos nos currículos das escolas de 1° e de 2° Graus que o desejassem.

No mesmo período, anos 1980, a Secretaria Municipal de Cultura da cidade do Rio de Janeiro desenvolveu significativo projeto junto às escolas públicas sobre cultura e história negras, desenvolvendo inclusive cursos para formação de professores.

Em São Paulo, instala-se o Grupo de Trabalho para Assuntos Afro-Brasileiros da Secretaria de Educação do Estado que foi responsável pelo Projeto Salve 13 de Maio? executado pela maioria das escolas estaduais do Estado de São Paulo, nos anos 1986 a 1988[1][2].

No Rio Grande do Sul, na Secretaria Estadual de Educação instala-se o projeto O Negro e a Educação que passa a ser assumido por 10 das 30 Delegacias de Educação, aquelas que abrangiam regiões de maior concentração de população negra, sendo executado em escolas estaduais e municipais.

À época, Câmaras Municipais, muitas vezes por iniciativa de vereadores negros, promulgam leis instituindo obrigatoriedade de ensino de história, cultura negra na rede de escolas dos municípios. Encontram-se entre os primeiros o município de Santa Cruz do Sul/RS e o de Florianópolis/SC.

O Parecer CNE/CP 003/2004 menciona que entre outros documentos legais encontram-se Constituições Estaduais da Bahia (Art. 175, IV e 288), do Rio de Janeiro (Art. 303), de Alagoas (Art. 253), assim como de Leis Orgânicas tais como a de Recife (Art. 138), de Belo Horizonte (Art. 182, VI), a do Rio de Janeiro (Art. 321, VIII), além de leis ordinárias, como lei Municipal nº 7685, de 17 de janeiro de 1994, de Belém, a Lei Municipal nº 2251, de 30 de novembro de 1994, de Aracaju e Lei Municipal nº 11.973, de 4 de janeiro de 1996, de São Paulo.(1)

É importante lembrar que os compromissos assumidos pelo Brasil na Conferência Mundial contra o Racismo, discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, 2001, alertaram para a urgência de se cumprir o determinado pela Constituição Nacional, assim como pela Lei 9394/1996 das Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

No parecer pauta desta entrevista, consta "Este Parecer visa ( . . . ) como regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei 10639/2003 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica". Desta forma, busca cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5, I, Art. 210, Art. 206,I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A e 79B na Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que asseguram o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros.

PPCor - No dia 28/01/2003, em matéria para folha on line, o Sr. Ulisses Panisset, ex-presidente da Câmara de Educação Básica do CNE expressou preocupação da nova lei “engessar” o currículo. Apesar da aprovação unânime na CNE, houve polêmica durante o processo de discussão das Diretrizes?

Resposta - O CNE, assim como o MEC ao me indicar assim como a Profª Francisca Novantino Pinto de Ângelo, representantes respectivamente do Movimento Negro e do Movimento dos Povos Indígenas, tem assumido com crescente clareza que é impossível formular normas e diretrizes para a educação, sem levar em conta a diversidade social e étnico-racial da população brasileira.

Em outras palavras os conselheiros estiveram abertos para o debate, para buscar compreender o ponto de vista da população negra, a situação de exclusão em que vem sendo mantida há 5 séculos. Houve debate, questionamentos de peso, pedidos de esclarecimento, mas não houve má vontade, pelo menos da parte dos que se dispuseram a discutir e que foi a significativa maioria. Penso que haveria muita polêmica se fosse do alcance do parecer a questão das quotas para negros nas universidades.

Creio que o Prof. Panisset ao se familiarizar com o Parecer de que estamos tratando, bem como ao tomar conhecimento que na sua cidade de Belo Horizonte, conforme pesquisa realizada por Patrícia Santana[1][3] não são poucos os projetos pedagógicos, desenvolvidos em escolas municipais, que discutem as relações raciais, talvez reconsidere sua avaliação de que o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana possa engessar os currículos escolares.

PPCor - Como foi a participação da sociedade civil e particularmente do movimento negro na elaboração do parecer que estabeleceu as Diretrizes?

Resposta - Consta do parecer que foi feita consulta sobre as questões objeto deste parecer, por meio de questionário encaminhado a grupos do Movimento Negro, a militantes individualmente, aos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, a professores que vêm desenvolvendo trabalhos que abordam a questão racial, a pais de alunos, enfim, a cidadãos empenhados com a construção de uma sociedade justa, independentemente de seu pertencimento racial.

Encaminharam-se em torno de 1000 questionários e o responderam individualmente ou em grupo 250 mulheres e homens, entre crianças e adultos, com diferentes níveis de escolarização. Suas respostas mostraram a importância de se tratarem problemas, dificuldades, dúvidas, antes mesmo de o parecer traçar orientações, indicações, normas.

Estando o parecer em fase de redação e já redigido, graças aos recursos da Internet, foi submetido a um número bem mais restrito de pessoas negras e não negras: professores em exercício em estabelecimentos de ensino de diferentes níveis, em secretarias de educação, diretorias de ensino, também professores aposentados, estudantes, pais de alunos, militantes do Movimento Negro. Aqueles que enviaram suas críticas e recomendações, tiveram pelo menos uma de suas sugestões incorporada ao parecer. Aproveito esta oportunidade para agradecer-lhes a disponibilidade e colaboração. Gostaria também de dizer que foi uma tarefa desafiadora, interessante e embora trabalhosa, muito prazerosa ler as manifestações e sentir o desejo real e cuidadoso de participar. Foi sem dúvida uma experiência de participação cidadã que eu tive o privilégio de coordenar.

PPCor - O ensino de História e da Cultura afro-descendente até então vem sendo tratada de forma superficial ou discriminatória em diversos materiais didáticos. Que danos são causados aos alunos afro-descendentes que convivem diariamente na escola somente com a valorização de raízes européias, em detrimento da cultura e do padrão estético negro?

Resposta – Inúmeros e que abrem feridas e deixam marcas para sempre. Alguns danos são superados, mas infelizmente nem sempre.

PPCor - No projeto de resolução, Art 6º está previsto que os sistemas de ensino deverão criar condições materiais e financeiras para prover as escolas e seus professores de material didático e bibliográfico sobre a história e a cultura afro-descendente e africana. Na sua opinião o acesso a esses materiais garantirá uma educação anti-racista ou será necessário um maior investimento na formação dos docentes?

Resposta - O parecer salienta em diversas passagens que a formação de professores para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História E Cultura Afro-Brasileira é fundamental. No entanto é importante salientar que são inúmeras, embora ainda abranjam número restrito de professores, as experiências de formação de professores para o combate ao racismo e a toda sorte de discriminações.

Creio que em todos os estados da federação há registros de iniciativas antigas e recentes, sempre precedidas por grupos do Movimento Negro, quando não por ele executadas. Vejam-se, por exemplo, os cursos de formação promovidos pelo Coletivo de Professores Negros dos Agentes de Pastoral Negros no Rio Grande do Sul, entre 15 e 17 de maio próximo, em Porto Alegre, bem como o de responsabilidade da Casa da Cultura da Mulher Negra, a se realizar entre 10 e 13 de junho em Santos. Diga-se de passagem que estes cursos foram planejados no ano passado, bem antes da aprovação do Parecer CNE/CP003/2004.

PPCor - Segundo as Questões Introdutórias do Parecer, as Diretrizes na Educação Nacional configuram-se como uma ação afirmativa na área da Educação voltada para o reconhecimento e valorização da história, da cultura e da identidade afro-descendente para o país. Quais as suas expectativas em relação à aplicação dessas Diretrizes para a construção de uma Educação anti-racista e multiculturalista no país?

Resposta - Muito trabalho pela frente para divulgar e incentivar a execução do parecer. Será preciso atingir não somente os professores, mas também dirigentes de escolas, sistemas de ensino, entidades mantenedoras, pais e estudantes. Atente-se para o que diz o parecer: Destina-se o parecer aos administradores dos sistemas de ensino, de mantenedoras de estabelecimentos de ensino, aos estabelecimentos de ensino, seus professores e a todos implicados na elaboração, execução, avaliação de programas de interesse educacional, de planos institucionais, pedagógicos e de ensino.

Destina-se também às famílias dos estudantes, a eles próprios e a todos os cidadãos comprometidos com a educação dos brasileiros, para nele buscarem orientações, quando pretenderem dialogar com os sistemas de ensino, escolas e educadores, no que diz respeito às relações étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à diversidade da nação brasileira, ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade justa e democrática.

Universidade Federal de São Carlos (ueim@power.ufscar.br)

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