17 de outubro de 2006

VILA SÉSAMO

ENTREVISTA: Gary Knell (2004)

www.riosummit2004.com.br

A série televisiva “Vila Sésamo”, que encantou gerações de crianças e adultos no Brasil de 1972 a 1976, estará de volta em 2005. É o que afirma o presidente da Sesame Workshop, Gary Knell. Em entrevista exclusiva ao site da 4ª CMMCA, ele explica que a nova edição – co-produção com o Canal Futura – visa satisfazer às necessidades das crianças brasileiras – elevando a auto-estima e o interesse pelo aprendizado. Segundo ele, para assegurar a qualidade dos produtos neste mundo globalizado é preciso investir em produção, conteúdo e pesquisa. Leia a entrevista.

Como surgiu o Sesame Workshop e quais eram os seus objetivos?

Gary Knell – O Children’s Television Workshop (CTW), hoje mais conhecido pelo nome Sesame Workshop, surgiu com o trabalho do seu co-fundador Joan Ganz Cooney. No final dos anos 60, Cooney começou a usar a TV para ajudar no rendimento das crianças na escola. Já naquela época, a TV tinha um enorme impacto no dia-a-dia do público infantil. As pesquisas indicavam que as crianças gostavam e se identificavam mais com as cantigas publicitárias do que com os programas que assistiam. Cooney e sua equipe acharam então que as crianças aprenderiam conteúdos importantes se estes fossem apresentados de uma maneira atraente.

Desta experiência, surgiu o programa infantil mais assistido de todos os tempos: o Sesame Street. O programa, lançado em outono de 1969 (no dia 10 de novembro), tinha o objetivo de ensinar conhecimentos e valores para as crianças, especialmente para crianças pobres e de minorias, na faixa etária entre dois e cinco anos. Com uma duração diária de uma hora, cada episódio era minuciosamente estudado e pesquisado. Ainda hoje, o CTW continua a inovar em nome das crianças em 120 países, utilizando sua própria metodologia para assegurar que seus programas e produtos sejam atraentes e enriquecedores. O Sesame Workshop está por trás de programas premiados como “Dragon Tales”, “Sagwa”, “The Chinese Siamese Cat” e produções multimídia de imenso sucesso em Israel, Palestina, Jordânia, África do Sul e Egito.


O Sesame Workshop reúne educadores, pesquisadores, psicólogos, especialistas em desenvolvimento da criança, artistas, escritores e músicos para traduzir idéias em ação, canalizando a atração natural da criança pela mídia de forma construtiva. Este trabalho é difícil? Como ele é possível?

Gary Knell – O Sesame Workshop tem desenvolvido produtos de mídia educativos desde 1968. Desde então, acreditamos que os produtos devem ser educativos e divertidos. Para isto, investimos na produção, no conteúdo educativo e em pesquisas. Estas três ações não estão diretamente associadas, tradicionalmente, à produção de mídia. A princípio, muitos profissionais diziam que este modelo não teria sucesso devido aos diferentes panos de fundo e de valores de cada uma das três áreas. Contudo, o modelo foi eficiente e seu primeiro produto foi o Sesame Street.

No modelo do Sesame Workshop, o desenvolvimento de um projeto maior passa por diversos estágios. Seminários de pré-produção reúnem produtores, educadores e pesquisadores para definir metas curriculares e explorar formatos educacionais que sejam eficientes para atingir os objetivos traçados. Enquanto escritores e produtores preparam roteiros e outros materiais, especialistas em conteúdo e pesquisadores colaboram no refinamento dos formatos das produções, aliando os preceitos educativos e as necessidades e capacidades das crianças.

Nos estágios iniciais da produção, pesquisadores testam elementos do formato e do desenho do programa para ajudar a qualificar a produção. Quando as peças ficam prontas, os pesquisadores realizam testes para averiguar sua atratividade e compreensão. Com a produção em série terminada, investiga-se, por meio de amostras, a eficiência educacional dos programas. Em todo o processo de produção, especialistas de conteúdo verificam se os objetivos curriculares são claros em todos os aspectos da execução. O Sesame Workshop tem funcionado eficientemente por 35 anos com benefícios evidentes para a educação de crianças no mundo inteiro.

Quais são as dificuldades que o Sesame Workshop enfrenta hoje para desenvolver/produzir mídia de qualidade para crianças e adolescentes?

Gary Knell – Nossas crianças estão crescendo num mundo diferente do que vivemos há somente uma geração. Trata-se de um mundo mais global e mais complicado que apresenta novos desafios e oportunidades. Desta forma, procuramos alcançar, cada vez mais, um maior número de crianças, lançando novas iniciativas para ajudá-las a progredirem no mundo de hoje. No ano passado, participamos de uma cúpula global sobre educação na mídia. O seminário defendeu o respeito intercultural e a compreensão entre as crianças de dois a 14 anos. Participaram da cúpula grupos de educadores, pesquisadores, representantes de emissoras de TV, produtores, governos e organizações internacionais. Hoje, seja criando programação no Oriente Médio, no Japão ou na Irlanda do Norte, estamos, mais do que nunca, apresentando imagens positivas e temas como amizade e respeito.

O Sesame Workshop e o Canal Futura produzirão novos episódios de Vila Sésamo a partir de 2005. Quais serão os objetivos desta nova série?

Gary Knell – O Sesame Workshop e o Canal Futura estão se reunindo para co-produzir o Sesame Street para uma nova geração de crianças. A versão brasileira , Vila Sésamo, foi a primeira produção internacional e estreou no Brasil em outubro de 1972. Desde então, mais de 20 adaptações locais da série foram ao ar em diferentes países como Alemanha, México e África do Sul. Com 52 programas de meia hora, a nova Vila Sésamo vai incorporar um currículo inovador criado por produtores e educadores brasileiros, especialistas em desenvolvimento infantil. A idéia é satisfazer as necessidades locais das crianças. Vamos também ajudar a elevar a auto-estima do público infantil e o interesse pelo aprendizado. Direcionadas às crianças em idade pré-escolar, as lições de Vila Sésamo serão ilustradas por meio do humor, da fantasia e das situações do cotidiano.Vila Sésamo, que apresentará bonecos desenvolvidos especificamente para o Brasil, está planejado para ir ao ar no canal Futura em 2005. A série será distribuída pela Fundação Roberto Marinho para mais de dez mil instituições educativas.

Como o Sesame Workshop trabalha com as regras impostas pelo mercado e os interesses culturais, educativos e de entretenimento de cada região onde suas produções são veiculadas?

Gary Knell – Vila Sésamo, por exemplo, é uma experiência compartilhada no mundo inteiro. A chave do seu sucesso é que cada co-produção possui a essência do Sesame Street original, mas também tem sua própria forma, ritmo, humor e música extraídos da cultura local. Toda criança que assiste à série se identifica. E quando as lições refletem suas próprias experiências as crianças são beneficiadas. Produtores locais, diretores e escritores traduzem então estes objetivos em conteúdo televisivo. No Egito, por exemplo, o foco de “Alam Simsim” é na educação das meninas – em todo o país, somente metade das meninas é alfabetizada. O “Takalani Sesame”, na África do Sul, enfatiza a alfabetização, o ensino dos números e habilidades para a vida. Além disso, na última temporada, introduzimos Kami, um boneco HIV-positivo para combater o preconceito e favorecer o diálogo e a amizade entre as pessoas. Hoje, a AIDS é uma doença que afeta um de cada nove sul-africanos. Desta forma, causamos um impacto direto no dia-a-dia das populações locais – com conteúdo relevante e apropriado para cada idade.

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EUA "rejeitam" boneca HIV positiva da série "Vila Sésamo"
da Reuters, em Washington


17/07/2002 - 12h27

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Os temores dos parlamentares republicanos dos Estados Unidos foram desfeitos ontem, quando a rede pública PBS anunciou que não pretende incluir uma boneca HIV positiva no programa de TV norte-americano "Vila Sésamo".

O novo personagem criado pela Sesame Workshop, responsável pelo programa "Sesame Street" ("Vila Sésamo"), se destina apenas ao público da África do Sul.

Em carta enviada a W.J. "Billy" Tauzin e a outros senadores republicanos, o presidente da PBS, Pat Mitchell, explicou que a Sesame Workshop é uma organização independente que criou a nova boneca em conjunto com educadores sul-africanos e a Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA (Usaid).

A personagem contaminada com o vírus da Aids vai estrear em 30 de setembro no programa "Takalani Sesame", a versão sul-africana de Vila Sésamo.

"Não há planos para incorporar esse personagem ou a proposta ideológica do 'Sesame Street' na PBS", disse Mitchell.

Um assessor de Tauzin disse que o senador ficou satisfeito com a resposta e explicou que a razão de sua preocupação era simples.

"Queremos que as crianças possam ser crianças. Elas vão crescer em pouco tempo e não vão demorar a tomar conhecimento da Aids, da fome no mundo e do terrorismo. Por que não deixá-las rir e brincar por algum tempo?."

Mas a questão assume outros contornos na África do Sul, país devastado pela Aids e onde se estima que uma em cada nove pessoas esteja contaminada pelo HIV, o vírus da Aids.

A intenção é que a nova boneca humanize a imagem dos soropositivos e aidéticos, ajudando a combater o estigma ligado a eles.

"Havia um forte desejo local de incluir essa questão no programa", disse Robert Knezevic, vice-presidente de projetos internacionais da Sesame Workshop.

www1.folha.uol.com.br

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MÍDIA POSITIVA

O programa Vila Sésamo marcou a infância daqueles que hoje têm 40 anos. Criado pela ONG norte-americana Sesame Workshop, revolucionou a linguagem de programas infantis. Confira a entrevista de Gary Knell, presidente da organização.

Rets – Vila Sésamo foi um grande sucesso nos anos 70, no Brasil. Sua volta à programação certamente não se dará nos mesmos moldes de antigamente. Os tempos mudaram, as crianças mudaram. O que haverá de diferente nessa nova versão do programa?

Gary Knell – Talvez a gente possa aprender um pouco com a própria história. Vila Sésamo nasceu há 35 anos, nos Estados Unidos, para ajudar as crianças em idade escolar. Naquela época, foi concebido em um período em que se percebeu que as crianças aprendiam muito com a publicidade –jingles, canções, mensagens curtas na televisão. E a questão não era: "Será que elas estão aprendendo?". A questão era: "O que elas estão aprendendo?". Então acreditamos que seria possível utilizar as técnicas da publicidade para ensinar as letras e os números, transmitir noções de solidariedade, respeito e saúde de forma divertida, com atores e marionetes que viviam todos juntos em uma rua muito especial, com uma variedade de raças e etnias – o que era bastante incomum nos Estados Unidos, naquela época. E logo o programa começou a fazer sucesso. Em seguida, um grande número de países, incluindo o Brasil, manifestou interesse. O Brasil, aliás, foi um dos primeiros países a se aproximar, há mais de 30 anos. Os mexicanos, também.

Bem, acho que é uma resposta longa à sua pergunta, mas o que vamos fazer aqui é pegar a magia que Vila Sésamo sempre teve e criar um Vila Sésamo no século 21. Não pode ser o mesmo de 30 anos atrás porque as crianças, atualmente, são muito mais sofisticadas em termos de mídia e têm muito mais opções. Certamente, em muitas partes do Brasil, assim como na Europa e nos Estados Unidos, as crianças têm hoje a mídia à sua volta durante todo o tempo. São muitas opções de programas à disposição delas, por isso precisamos assegurar que o programa seja realmente divertido e um bom entretenimento, atraindo a atenção delas e de seus pais.

Uma das razões pelas quais acreditamos que Vila Sésamo será bem-sucedido é que vocês conhecem o programa e se lembram dele. Muitas pessoas da sua idade já são pais e talvez desejem que seus filhos também tenham a experiência de assistir ao programa que viam na infância. Por isso devemos trabalhar com nossos parceiros brasileiros para preparar um grande programa, com novos personagens. Talvez a gente traga de volta o Garibaldo... Sônia Braga participava do programa original, pode ser que ela volte para fazer um outro personagem [risos]. Mas acho que teremos condições de criar um programa inteiramente novo e que consiga captar a essência do Brasil atual. Essa é uma das grandes coisas em Vila Sésamo : não é simplesmente um desenho animado que permanece sempre igual. Ele pode mudar a cada ano, ter novos personagens e um novo formato, mantendo as crianças interessadas.

Rets – Temos atualmente muita violência na televisão, mesmo em desenhos animados voltados para crianças. E há muita polêmica sobre a violência em jogos de computadores e videogames. Diante disso, como o senhor vê a responsabilidade da mídia e das famílias?

GK – Acreditamos que existe uma responsabilidade da mídia no sentido de se dedicar a produzir programas que incentivem um comportamento mais positivo. Não gostaria de fazer críticas a programas específicos, não é nosso papel, mas em vários países mundo afora, até mesmo nos Estados Unidos, temos procurado atuar na solução de conflitos, incentivando as crianças a resolver conflitos de forma pacífica, em vez de recorrer à violência freqüentemente propagada na TV.

Estamos trabalhando agora, por exemplo, no Oriente Médio; estamos também em Kosovo, na região dos Bálcãs; e estaremos em breve na Irlanda do Norte. E sempre com um modelo focado em três coisas, quando lidamos com situações de conflito: a primeira é a auto-estima. As crianças precisam se sentir bem com elas mesmas para que possam se sentir bem com os outros. Do contrário, certamente vão querer culpar terceiros por seus problemas.

A segunda coisa é o conceito de empatia, ou seja, a capacidade de se colocar na situação do outro. Assim uma pessoa rica passa a não olhar mais para uma pessoa pobre como se ela não merecesse respeito algum; consegue se imaginar no lugar dela.
E o terceiro ponto é compreender o impacto que o que você faz pode causar nos outros, entender que existe uma conseqüência e pensar nisso antes de fazer. Dessa forma, é possível lidar com problemas como bullying [basicamente, humilhações na escola] e falar francamente sobre situações de conflito. Estamos trabalhando com esse propósito em lugares como Palestina, Israel e Bálcãs, tentando reduzir as distâncias entre os grupos étnicos por meio de uma mudança de comportamento – não à maneira dos contos de fadas, mas procurando humanizar o outro lado, pois é muito mais difícil odiar o outro quando você passa a conhecê-lo. É o que estamos tentando fazer usando a televisão, e sabemos que tanto crianças quanto adultos assistem à TV e aprendem com ela. Portanto, se vêem um comportamento agressivo, apreendem esse comportamento; se vêem crianças ou adultos trabalhando de forma construtiva na solução de um problema, acreditamos que isso também será um estímulo. É uma influência bastante positiva e nós achamos que a televisão pode ser muito útil nesse sentido.

Rets – Seria esse um conceito, digamos, universal do que poderia ser boa mídia, a despeito da diversidade mundial de valores e culturas?

GK – Exatamente. E fizemos um episódio sobre isso nos Estados Unidos, em que o Big Bird [em português: Pássaro Grande, um dos personagens criados pelo Sesame Workshop] – uma espécie de Garibaldo norte-americano, um pássaro gigante – chama um amigo, uma gaivota, para brincar. Mas a gaivota olha e percebe que existem monstros e outros animais ali e decide que não vai brincar com eles porque não são pássaros. Então Big Bird diz: "Eles são meus amigos. Se você não gosta deles, pode ir embora". Naturalmente, a gaivota resolve tentar, mas acaba não sendo divertido. A verdadeira mensagem dessa história é sobre passar por cima dos estereótipos, estimulando nas crianças um pensamento mais aberto sua experiências cotidianas. É possível utilizar essa abordagem no Brasil, em algumas questões sociais, e vamos trabalhar com nossos consultores, aqui, para fazer isso acontecer.

Rets – Gostaria que falasse um pouco sobre o projeto que vocês vêm desenvolvendo na África.

GK – A África do Sul está comemorando dez anos do fim do regime do apartheid. O Workshop está lá desde o começo, para tentar construir um novo conceito de mídia para crianças, em parceria com a rede de televisão sul-africana SABC. Criamos uma versão local do Vila Sésamo, chamada Takalani Sesame – a palavra takalani significa "seja feliz" em tshivenda, que é uma das 12 línguas oficiais do país. E o programa foi focado, num primeiro momento, em temas como diversidade, cidadania, essas questões que começavam a emergir na África do Sul naquele momento.

Na segunda temporada, nosso parceiros e o Ministério da Educação acharam que seria muito interessante mobilizar a população em torno do HIV e da Aids. Criamos um novo personagem, soropositivo, com uma participação ativa na comunidade – ela vai à escola, tem senso de humor... mas é órfã, perdeu sua mãe em decorrência da Aids. Ela usa uma corrente no pescoço com a foto da mãe e fala abertamente sobre a doença. E as crianças do programa dizem: não tratem Kami – este é o nome dela – de forma diferente de como vocês tratariam outro amigo. Eles conversam sobre o fato de ela ser soropositiva e nós temos a oportunidade de apresentar histórias sobre isso, da mesma forma que faríamos sobre uma criança fisicamente desabilitada. Afinal, uma pessoa pode estar numa cadeira de rodas e ainda assim ter uma participação ativa na comunidade. É esse o conceito: é sobre como lidar com o estigma, humanizar o outro e acabar com uma certa mitologia que existe em torno do HIV e de como ele é transmitido. Você não vai se contaminar abraçando alguém, por exemplo.

O programa teve uma grande repercussão e Carol Bellamy [diretora executiva], do Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância], deu a Kami, recentemente, o título de "Campeã das Crianças" de todo o mundo. O Unicef levou Kami à Conferência Mundial sobre Aids, em Bancoc, Tailândia, em julho de 2004, pois ela é um ícone para as crianças que têm Aids.

Não é possível dizer, neste momento, se ela estará na versão brasileira do programa. É algo que precisamos conversar com nossos consultores e parceiros.

Rets – O que o senhor conhece a respeito da mídia brasileira, em particular a televisão?

GK – Alguma coisa. Não posso dizer que seja capaz de escrever uma tese de mestrado sobre o assunto, mas claro que conhecemos o caráter comercial da mídia brasileira e o poder da Rede Globo como grande exportadora mundial de produtos, telenovelas e tudo o mais. Assim como em outros países, o panorama da mídia brasileira está se transformando com as novas tecnologias, o maior número de canais... e isso é importante para nós. Vamos trabalhar com o canal Futura e também tentar alcançar redes de televisão abertas, para chegar a um número cada vez maior de crianças.


Rets – O senhor falou em novas tecnologias e existe um grande hiato tecnológico, no que diz respeito às tecnologias de informação e comunicação, entre os países do norte e os do sul. Como o senhor acha possível reduzir essa distância?

GK – O que nós procuramos fazer é tentar usar a tecnologia apropriada, conforme as circunstâncias. Na África do Sul, em muitos lugares, as pessoas não têm acesso à televisão, não têm acesso à eletricidade – o que talvez seja o caso, aqui no Brasil, em certas localidades. Então fizemos muitas coisas usando rádio, cujo acesso é um pouco mais fácil e barato. Trabalhamos junto com uma entidade inglesa chamada Freeplay Foundation, que desenvolveu rádios a manivela, que não precisavam de pilhas ou energia elétrica. E distribuímos esses rádios em centros comunitários nas áreas mais remotas da África do Sul, de modo que elas pudessem sintonizar as transmissões do Takalani Sesame, que também tinha Kami e os demais personagens falando sobre saúde, HIV, letras e números. O rádio, portanto, é um elemento importante desse trabalho.

Também estamos distribuindo material para diferentes programas assistenciais do governo, e esse material é distribuído para a população. Enfim, o que tentamos fazer é trabalhar em conjunto com os nossos parceiros para decidir que áreas vamos focar aqui no Brasil. Uma criança que mora em Copacabana e tem acesso à internet em banda larga tem necessidades muito diferentes de outra que mora numa tribo indígena no Nordeste, portanto precisamos descobrir qual a maneira mais apropriada de chegar até elas e devemos ser um pouco flexíveis nessa aproximação. Mas somos uma organização de mídia e entretenimento, por isso vamos usá-la. A questão é: qual o modo mais apropriado de fazer uso dessa mídia?

Rets – O senhor tem filhos?

GK – Sim.

Rets – Quantos?

GK – Quatro. Por isso eu tenho estes cabelos brancos [risos]. O mais novo tem 9 anos e o mais velho, 18.

Rets – E o que ele assiste na TV?

GK – Ele é um grande fã de esportes e adora basquete. A maior parte do tempo que ele passa em frente à televisão é para ver a NBA [liga norte-americana de basquete] ou beisebol. Ocasionalmente assiste também à CNN [emissora exclusivamente jornalística] e alguns programas populares.

Rets – E qual a sua preocupação com a juventude que está sendo formada atualmente?

GK – Primeiramente, vamos falar da tecnologia e do hiato digital. Existe um grupo de crianças, de um lado, que é bombardeado pela mídia em toda a parte, que tem acesso à internet em banda larga, comunicação por satélite, celulares... e, ao mesmo tempo, há milhões de crianças sem acesso a nada disso. Para muitas crianças do mundo industrializado, a mídia está em toda a parte. Em lugares como o Japão, por exemplo, hoje as pessoas aprendem letras, números e o idioma inglês em seus celulares. E esse "trem" continua se movendo, não perde velocidade.
A mídia está cada vez mais rápida, menor e mais barata – seja no Japão, no Rio, em Nova York, em Londres, onde quer que seja. E é muito importante que exista um grupo de produtores e executivos que se empenhem em prol de uma boa mídia, com propósitos positivos. Não há razão, por exemplo, para que videogames sejam usados exclusivamente para jogos violentos ou que mostrem mulheres em situação desfavorável. Eles também podem ser usados para educar.
Em 1969, utilizamos a televisão para educar –um veículo que não era, até então, considerado apropriado para a educação. Nós mudamos isso e fizemos história, e é o que queremos fazer com as outras mídias também.

*Entrevista publicada pela Revista do Teceiro Setor, em 14 de maio de 2004.
www.multirio.rj.gov.br

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VILA SÉSAMO
Keila Jimenez

"Garibaldo & cia., agora em cores", copyright O Estado de S. Paulo, 26/10/03

"O Garibaldo amigo de Sônia Braga era azul. Nos Estados Unidos, era amarelo. Para a maioria das crianças brasileiras, o bicho metade galinha metade avestruz era cinza escuro. Sucesso na década de 70 no programa Vila Sésamo - exibido em preto-e-branco por aqui - Garibaldo vai voltar à TV brasileira falando português e da cor que as crianças quiserem, a partir de uma série de pesquisas.

Dos anos 70 para cá, não foram poucas as ameaças de canais brasileiros dispostos a trazer a turma da Vila Sésamo de volta. Nada foi além das boas intenções. Agora, o canal pago Futura acaba de fechar contrato com a Sesame Workshop, detentora dos direitos do programa, para a produção de uma nova safra do Vila Sésamo para 2004. O projeto inicial prevê a exibição de 52 programas de meia hora de duração cada e algumas mudanças em relação à primeira versão. Uma das principais preocupações, agora, é dar um conteúdo mais brasileiro ao formato e permitir que o público opine.

Garibaldo, Gugu, Ênio e Beto ganharão novo visual e um novo colega. O novato na turma deve refletir a realidade de nossas crianças e será criado de acordo com os gostos e a cultura do brasileiro. Também não haverá atores contracenando com os bonecos, como na primeira versão.

‘A produção do programa mistura pesquisa e avaliação de resultados feitas por especialistas e pedagogos preocupados com desenvolvimento infantil’, conta a coordenadora de Aquisições e Parcerias Internacionais do Futura, Paula Taborda. ‘Já estamos montando uma equipe, que terá o apoio da Sesame, para pesquisarmos como será esse novo personagem, qual o visual e as características emocionais dele’, continua. ‘Tudo será baseado nos gostos das crianças. Só sabemos que boneco brasileiro deve ser pequeno, porque já basta o Garibaldo de grandalhão’, brinca a diretora.

Mas por que demorou tanto para trazer Garibaldo de volta? Exibido no Brasil entre 1972 e 1976 pela TV Cultura e Globo, o programa é uma criação da Sesame Workshop, empresa americana que comercializa programas educativos para o mundo inteiro e que é subsidiada por algumas entidades. Os países que exibem o infantil devem seguir um manual que é uma verdadeira ‘bíblia’ dos princípios da fundação, a fim de manter as características pedagógicas, e são fiscalizados a lupa pela Sesame.

E há os custos. Além dos bonecos, todos submetidos à aprovação da matriz americana, há uma equipe de produção enorme por trás do programa - professores, pedagogos, técnicos - o que encarece muito a atração. Na primeira versão, há 20 anos, cada episódio custava US$ 7 mil.

‘A Sesame costuma financiar os custos de produção do programa, que são bem altos, nos países mais pobres, e cobra daqueles países que podem pagar’, conta a coordenadora do Futura, Paula Taborda. ‘Não conseguíamos chegar a um consenso sobre a situação do Brasil, pois possuimos uma TV muito forte e o programa será exibido em uma TV paga, porém educativa. Acertamos que será uma parceria, com divisão de custos.’

Segundo a diretora, no primeiro ano, a prioridade de renovação de contrato será do Futura. Hoje, o canal está disponível para 47 milhões de espectadores, somando os 39 milhões que têm acesso à Banda C (o Futura tem sinal aberto para parabólicas convencionais e cerca de 10 mil escolas recebem o canal gratuitamente) e os 8 milhões que assistem aos canais pagos do sistema Net e Sky.

‘Além dos programas gravados em nossos estúdios, exibiremos alguns quadros internacionais e produziremos minidocumentários com crianças brasileiras’, conta Paula Taborda. ‘Temos certeza de que o programa dará certo. É claro que vamos tentar renovar o contrato, mantê-lo em nossa programação[TEXTO]. Mas nada impede que, após a primeira temporada, um canal aberto também o compre.’

Sem comerciais - O Futura ainda não definiu quem interpretará o novo Garibaldo, mas o original, vivido pelo ator Laerte Morrone, está feliz com a volta do programa. Ele se orgulha muito de ter participado da primeira edição do infantil e diz que carregar aquela fantasia cheia de penas e uma cabeça gigante (que ele segurava com o braço estendido) e que pesava 5 quilos foi a coisa mais importante de sua vida.

Junto dele, um elenco de primeira faz qualquer marmanjo ter saudade do programa: Aracy Balabanian, que vivia Gabriela, Flávio Galvão (Antônio), Armando Bógus (Juca), Manoel Inocência (Almeida) e Sônia Braga (Ana Maria). No texto e nas músicas, obras assinadas por nomes como Renata Palotini e Chico Buarque de Holanda, que, segundo Morrone, costumavam colaborar com o programa de graça.

‘Todos queriam participar e não havia dinheiro para pagar todo mundo. O programa consumia muito e não ganhava quase nada. Havia uma cláusula no contrato que proibia a veiculação de qualquer comercial cinco minutos antes e cinco depois da atração. Nem durante podia’, conta ele. ‘O programa é mantido por entidades nos EUA e tem boa parte de sua renda revertida para instituições de caridade e voltadas para educação infantil. Eles fazem questão de dizer que não ganham nenhum centavo’, continua. ‘É tudo muito lindo, mas nada funciona sem dinheiro na TV. Foi por isso que o programa acabou, sobraram saudades e muitas histórias de um Garibaldo velho para contar.’

As histórias vividas por Morrone como Garibaldo são sensacionais, ainda mais contadas na voz dele. Em um show num estádio de Belo Horizonte (MG), havia 10 mil crianças. ‘Abriram a porta do estádio e mandaram o Garibaldo correr em direção ao centro do campo. Entrei, mas não imaginava que as 10 mil crianças estavam no gramado’, conta ele. ‘Correram todas atrás do pobre Garibaldo e começaram a arrancar as penas, a roupa, fiquei desesperado. Só pensava em cobrir meu rosto, afinal, não podia revelar a minha identidade. Garibaldo ficou depenado, mas não mostrei o meu rosto.’

Morrone conta que o Garibaldo da versão americana (lá chamado como Big Bird) possuía um monitor que o ajudava a se guiar no palco, já que a cabeça do ator fica tapada pela malha. O primo pobre brasileiro não tinha nada disso. ‘Eu contava com a boa vontade dos amigos para me guiar. Vivia com nariz machucado, de tanto dar cabeçada no estúdio’, conta Morrone. ‘Sônia Braga costumava dizer que era insuportável trabalhar comigo. Ela cansou de tomar pancadas e empurrões daquele pássaro gigante’, conta, rindo.

Só alguns anos após o fim do programa é que Morrone revelou sua identidade como Garibaldo. A princípio, conta, era uma cláusula de seu contrato que o impedia de falar, depois, foi a magia do personagem que o calou. ‘Queria manter Garibaldo vivo, fiz tudo o que pude.’ E conseguiu."

28/10/2003

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br

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