A produção literária afro-brasileira afirma sua identidade negra com estética e temática próprias.
Marcus Vinicius Bonfim
Seguindo o caminho da criação literária negra no Brasil, Cadernos Negros chega ao trigésimo ano com a publicação de sua 30ª edição. A publicação é fruto dos esforços de militantes negros, poetas, engajados na produção de uma antologia literária, de forma cooperativa em todas as etapas de elaboração e seleção dos conteúdos e, sobretudo, arcando com os custos de impressão.
No percurso literário brasileiro, vários foram os autores negros que, a despeito dos preconceitos e esforços de "branqueamento" alcançaram a consagração e hoje são estudados em todos os bancos de colégios brasileiros e em várias universidades de todo o mundo
Desde 1859, a militância negra no Brasil marca presença na literatura.
Escrito pelo advogado abolicionista, poeta e jornalista afro-brasileiro
Luiz Gama (1830-1925), o poema A bodarrada é o primeiro registro literário conhecido que assume a identidade negra, que ironiza e se impõe frente à sociedade da época. O autor, que chegou a ser vendido como escravo, anos mais tarde, notabilizou- se pela ampla defesa dos direitos dos cidadãos negros ainda ilegalmente escravizados.
O principal simbolista brasileiro, Cruz e Sousa (1861-1896), durante muito
tempo, foi considerado um negro que havia negado suas origens, dada a
sofisticação da escola literária que ajudou a implementar no Brasil. Tal
visão explica-se pelo objetivo não declarado de escamotear o aspecto
visceralmente negro de sua obra, que atinge o ápice com o poema em prosa Emparedado, publicado no livro Evocações. Cruz e Souza enfrentou os preconceitos raciais da época e traduziu, em poesia e prosa, sua luta e sofrimento no embate contra a opressão que o vitimou, levando-o a uma vida difícil, encerrada muito cedo.
Passam-se anos, e chegamos a Machado de Assis (1839-1908), que a historiografia nacional há anos tenta "clarear". Suas obras-primas Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro apresentam um realismo à brasileira e uma crítica social profunda, porém sutil. O fundador da Academia Brasileira de Letras não se expôs tanto à militância pela abolição da escravatura. Mas não faltam, na sua obra, registros e reflexões a respeito do assunto.
Lima Barreto (1881-1922) foi mais a fundo na denúncia das injustiças
sociais e do racismo, e tal postura afirmativa custou-lhe caro. Sua obra foi
rejeitada pela crítica da época, tendo o devido reconhecimento ocorrido
somente após sua morte. Carioca, jornalista, Lima Barreto destaca-se com
obras como Recordações do Escrivão Isaías Caminha, O triste fim de
Policarpo Quaresma e Clara dos Anjos. Faleceu jovem, aos 46 anos, mas, com seus escritos, enfrentou o racismo de frente e contribuiu para uma prosa literária despojada que o Modernismo aproveitou para implementar em seu propósito iconoclasta.
Do encontro das escolas européias com as culturas e vivências africanas no
Brasil, emerge um novo olhar literário fortemente marcado pelo sofrimento
advindo da escravidão e do racismo, como também pelo sentido épico da luta quilombola. Os escritores citados, para fugir da opressão, criaram
mecanismos próprios de resistir no campo das idéias e fazer chegar aos leitores a sua visão-do-mundo: o sarcasmo de Luiz Gama, a dramaticidade de Cruz e Sousa, a técnica de Machado de Assis e o protesto veemente de Lima Barreto. Quatro autores e suas distintas características de ver e atuar na sociedade que enriqueceram, ao longo do tempo, expressão dos afro-brasileiros por meio da literatura.
Os Cadernos Negros
Em meados de 1978, surgem os Cadernos Negros, na senda daqueles autores e também de tantos outros, como Lino Guedes e Solano Trindade. Destacam-se as atuações de Cuti (Luiz Silva, na foto) e Hugo Ferreira, cabendo a este último a idéia do título da série Cadernos Negros e ao primeiro a execução do projeto durante seus cinco primeiros anos.
Mais tarde, em 1980, surge o Quilombhoje, como resultado de reuniões informais de poetas. Com o propósito de discutir temas ligados à negritude e literatura, o grupo passou também a realizar as Rodas de Poemas - forma coletiva de declamação, com o emprego de canto e instrumentos musicais - reverenciando personalidades negras como Pixinguinha, Luiz Gama, Agostinho Neto entre outros. Só em 1982, os Cadernos Negros ficaram sob responsabilidade do agora Quilombhoje Literatura, dando contornos institucionais à luta dos autores afro-brasileiros.
Os gêneros literários sempre se revezaram - ora poemas, ora contos -
mantendo a linha de cooperação e participação dos autores e, por vezes, de orientação e apoio na produção e estímulo à leitura destes trabalhos. Neste ano, os Cadernos Negros chegam ao trigésimo número da série, em 30 anos de história, e há a promessa de um evento comemorativo deste feito.
Negroesia
O lançamento de Negroesia, décima obra de Cuti (Luiz Silva) foi mais uma etapa dessa história. Antologia poética que reúne uma seleção de poemas e textos do autor, já publicados em suas outras obras e na coleção Cadernos Negros, acrescidos de onze poemas inéditos, Negroesia apresenta também um recital homônimo, com direção de Beta Nunes, autora e diretora da peça A Mulher do Chapéu (2006).
Fotos: o escritor Cuti (Luiz Silva)
"Meu interesse está no futuro porque é lá que vou passar o resto da minha vida."
"Se você está compromissado com o seu objetivo, é possível!"
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